Archive for the ‘Reggae’ Category

O Skank passou com sua Turnê de Despedida por Porto Alegre nos últimos dias 01 e 02 de abril. Em duas noites, a banda levou ao auditório Araújo Vianna mais de 8 mil pessoas que desejavam se despedir do grupo que tem um dos históricos mais longevos de sucesso comercial no país.

A banda passou por seus principais discos e tocou nada menos que 26 músicas por noite. Fico aqui olhando o setlist e pensando que não deve ser fácil encaixar tudo o que Samuel Rosa (voz e guitarra), Lelo Zanetti (baixo), Haroldo Ferretti (bateria) e Henrique Portugal (teclados) gravaram nas últimas três décadas. Foi literalmente uma coletânea de sucessos, para ninguém colocar defeito. Intercalando muito pop, ska, rock e reggae – e fazendo jus às misturas que foram inseridas na indústria fonográfica por muitas das bandas que surgiram no cenário dos anos 1990 –, faixas como “Dois Rios”, “Amores Imperfeitos”, “Pacato Cidadão”, “Três Lados”, “Vou Deixar”, “Jackie Tequila”, “Te Ver”, “Ainda Gosto Dela”, “Esmola”, “É Uma Partida de Futebol”, “Balada do Amor Inabalável” e “Garota Nacional” estavam entre as preferidas da galera.

Foto: Carol Govari

“Garota Nacional”, inclusive, deu aquele ‘clic’ que todo mundo tem, durante um show, que te transporta imediatamente para outro lugar. No meu caso, curiosamente me levou para o primeiro show que eu vi da banda, em 1997, aos nove anos de idade. Lembro que O Samba Poconé era um dos CDs mais ouvidos na minha casa, e consequentemente se fixou no Top 5 da minha infância. Estávamos em Porto Alegre, pouco antes de ir ao Planeta Atlântida, e minha irmã andava de loja em loja em busca de um “vestidinho preto indefectível”. E ela achou o dito vestidinho preto indefectível. Se não me falha a memória, ela não usou para ir ao Planeta, mas ele aparece em várias fotos das férias escolares daquele verão.

Voltando ao presente, a Turnê de Despedida do Skank não tem nenhum clima de declínio que poderíamos sentir em uma despedida; muito pelo contrário: é visivelmente uma celebração, com toda a energia possível, aos mais de 30 anos de estrada. Foi um show extremamente coerente à energia que a banda sempre transmitiu aos fãs. Inclusive, Samuel Rosa estava tão emocionado de ver o Araújo Vianna lotado daquela forma que garantiu que a banda volta a Porto Alegre antes de encerrar definitivamente suas atividades. Eu que não sou boba de perder essa Turnê de Despedida pt.2.

Meu último congresso científico como doutoranda foi o VI Congresso Nacional de Comunicação e Música – Comúsica, que aconteceu no começo deste mês, entre os dias 3 e 5 de julho, na UFRB, em Cachoeira, Bahia (cheguei na Bahia no 2 de julho – pense!). Este foi o último congresso porque defendo em fevereiro de 2020, então o segundo semestre vai ser focado na escrita da tese.

Acho que eu não poderia escolher evento melhor para encerrar essa etapa da minha formação. O VI Comúsica focou nos temas Música, Memória e Sensibilidades, e os encontros dos GTs, além das palestras, levantaram temas que me afetam muito e em diversas instâncias pra além da academia.

A tradição musical que Cachoeira possui – as filarmônicas, o samba de roda, o reggae do Recôncavo – acabou dando um toque muito especial ao evento. Ter a oportunidade de participar de um congresso e ainda entrar em contato com a cultura e a música local é algo incrível, pois suscita questões para a minha própria pesquisa que eu não veria ficando somente na minha cena musical/cultural (falo sobre isso com frequência, pois funciona muito, pelo menos pra mim, sair do meu lugar confortável de vida/pesquisa).

E Cachoeira teve muito a me mostrar: o reggae noturno nos bares, o licor, a dança, os corpos, a maniçoba, a fala devagar, o tempo que corre em um ritmo completamente diferente, as ruelas, a penumbra, os prédios históricos, a ponte, São Félix do outro lado do rio.

Casa do Samba de Dona Dalva

A coordenação do Comúsica organizou uma visita guiada à Casa do Samba de Dona Dalva Damiana de Freitas, cantora e compositora do Samba de Roda Suerdieck, primeiro grupo artístico de Cachoeira, fundado por ela em 1958. O nome do grupo vem da fábrica de charutos homônima, onde dona Dalva trabalhava. Por mais de uma década, as apresentações do Samba de Roda Suerdieck se limitaram aos eventos da fábrica e ao calendário religioso da cidade, quando saía em cortejo pelas ruas e organizava rodas de samba sem o uso  de equipamentos de sonorização.

Seu grupo teve papel importantíssimo para que o Samba de Roda do Recôncavo da Bahia fosse tombado pelo IPHAN como Patrimônio Imaterial Nacional, e posteriormente reconhecido pela Unesco como Patrimônio Imaterial da Humanidade. Em 2012, Dona Dalva recebeu o título de Doutora Honoris Causa da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).

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Momento da oficina do samba de roda (Foto: Morena Melo Dias)

Any Freitas (uma querida!), neta de dona Dalva – e também sambadeira, como sua mãe e sua avó –, foi quem guiou a visita e contou toda a história de vida de sua avó, que infelizmente não estava presente, pois havia contraído uma virose, assim como o resto do grupo. Além de guiar a visita, Any, junto com seu tio (que vergonhosamente esqueci o nome, falha minha), ministraram uma oficina onde pudemos aprender um pouco como se toca o samba de roda em seus principais grupos: lembro que um deles era o samba corrido. Tocamos pandeiro, os blocos de madeira (utilizados pelas sambadeiras para acompanhar o ritmo), batemos palmas, Any dançou, cantou, tocou chocalho, explicou a origem do “samba de raiz”, o pé no chão, a “umbigada” que chama para dançar no centro da roda. Foi uma noite ótima e muito, muito emocionante. A energia presente na Casa do Samba de Dona Dalva é um negócio absurdo, que te atravessa o corpo todo. Fico pensando como é quando ela está lá.

Eu gostaria muito de estar em Cachoeira nos próximos dias, já que de 13 a 17 de agosto acontece a Festa da Nossa Senhora da Boa Morte. Como infelizmente isso não é possível, acompanho pelas redes sociais da Casa de Samba, onde também é possível colaborar com doações.

Lazzo Matumbi – Batuques do Coração  

No dia 6 de julho, após o fim do Comúsica, fui para Salvador. Para minha sorte, estava rolando o show Batuques do Coração, de Lazzo Matumbi, apresentado em duas únicas sessões (6 e 7 de julho) na Sala do Coro do Teatro Castro Alves, onde o artista homenageou os blocos de samba que recontam a história do povo negro no Brasil, ou seja, fechou demais com o clima e a energia que eu trazia de Cachoeira.

Vi o show do dia 7 (no dia 6 acabei ficando pelo Rio Vermelho e fazendo um “passeio” pelos bares alternativos, mas não vou entrar nesse assunto, acho que ele não cabe nesse post), onde, num ambiente totalmente intimista, Lazzo interpretou clássicos do samba, como músicas de Donga, João da Baiana e Heitor dos Prazeres, precursores do gênero. A direção musical do espetáculo foi dividida entre Lazzo e Tote Gira, grande compositor baiano, e os dois conversaram muito com a plateia durante todo o show: contaram como surgiu a ideia desse espetáculo, a seleção das canções, a ideia de ser algo bem íntimo, mesmo, como se fosse na sala da casa de Lazzo.

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Lazzo Matumbi – Batuques do Coração (Foto: Carol Govari Nunes)

Com quase 40 anos de carreira, Lazzo Matumbi, que mistura sonoridades como reggae, batuques africanos, samba, soul, jazz, maracatu, ijexá, aguerê, alujá, entre tantas outras células rítmicas, é considerado um dos maiores intérpretes do Brasil. O artista, que iniciou a carreira no bloco afro Ilê Aiyê, disse que fazia tempo que queria fazer um show onde pudesse ficar perto da plateia, conversando calmamente, algo que não acontece quando está em um trio elétrico.

Após quase 2 horas de show, Lazzo encerrou a noite falando sobre resistência, luta, amor e a força do povo negro. Uma noite memorável para todos os presentes, que na saída da Sala do Coro do Teatro Castro Alves tomaram uma chuva torrencial pra completar de lavar a alma.

Outras histórias

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Capa do Moscote (Divulgação)

Na segunda, dia 8, encontrei o querido Thiago Trad, percussionista, compositor e multi-instrumentista, que trabalha atualmente no show de Moscote, seu primeiro disco solo, após ter integrado o Cascadura durante os seus últimos 15 anos. Moscote é um disco de jazz instrumental contemporâneo, fruto de uma pesquisa in loco na qual ele percorreu o mundo – seja tocando ou apenas investigando sons. Em uma dessas andanças, passou por Porto Alegre, em 2015, com o projeto Bahia Experimental, onde finalmente pudemos nos conhecer pessoalmente.

Thiago e eu conversamos sobre inúmeros assuntos, entre eles algo que eu já havia conversado com Fábio Cascadura, em Toronto: as similaridades e os atravessamentos musicais entre bandas de Porto Alegre e Salvador. E não é só porque “todo mundo morou junto, em São Paulo”, vai além disso e muito antes disso: a influência direta d’Os Cascavelletes no Dr. Cascadura, a forma com que as bandas falam sobre amor, sobre sexo, o humor mais irônico, o jeito “esculhambado”, como disse Thiago – e que aqui em Porto Alegre se aproximaria do que a gente chama de “chinelagem” –, a aversão às normas dominantes e outras características que encontramos em inúmeras canções. Claro que muito disso acaba sendo datado, nas duas capitais, entre meados dos anos 1980 e começo dos anos 2000 – e, claro, também, que são características encontradas em bandas de rock de outras cidades do país. Mas, não sei, sempre tive a sensação de que existe alguma coisa aí que faz uma liga, sim.

Ou quem sabe isso seja só uma forma de eu justificar o motivo das minhas bandas preferidas serem gaúchas e baianas. Porque, óbvio, eu preciso encontrar uma explicação pra isso – assim como fico buscando, exaustivamente, explicação pra tudo ao meu redor. Provavelmente não vai ser aqui, nesse texto, que eu vou finalmente encontrar essa explicação. Na verdade, confabular teorias com amigos é muito mais divertido e estimulante do que chegar a uma conclusão. Sorte minha ter tanta gente – e tanta música – massa assim na minha vida.

O Festival de Ska de Montreal completou 10 anos na semana passada: nos dias 22, 23 e 24 de novembro rolou muito ska, rocksteady, reggae, dub, 2 tone e punk. Boa parte das bandas, fui descobrir no segundo dia, são da gravadora local Stomp Recods, fundada com o objetivo de lançar, apoiar e unir as bandas canadenses de ska. Hoje em dia, a gravadora se denomina “a full-service ska-punk-rock-n-roll record label, booking agency and music management company based in the heart of Montreal since 1995”.

Então além de conhecer bandas novas, conheci uma gravadora que tem um vasto catálogo de gêneros musicais que eu adoro, principalmente com bandas da terceira onda do ska. Bom, dá pra ver que eu pirei na gravadora, mas vamos ao festival:

 

 

 

No dia 22, o festival ocorreu no Café Campus e quem deu início aos trabalhos foi o power trio de reggae good-vibes-total FoOlish, aqui de Montreal. A banda é massa, o show é divertido e a baixista é excelente. Tocaram alguns covers, mas as músicas autorais se sobressaíram. Na sequência, The Hangers, uma banda de rock-funk-ska-reggae que atua na cena underground de Montreal desde 2009. O show foi bem mais agitado, com mais adesão do público, que aos poucos chegava para a principal atração da noite: Danny Rebel & KGB. A banda de reggae foi formada em 2007 em Montreal com o intuito de espalhar “good vibes and good times”. E assim foi o show: com certeza o mais reggaezão e good vibe de todo o festival. Além de cantor e compositor, Danny Rebel é um baita ilustrador. Vale dar uma conferida no Instagram dele e ver os desenhos do cara por lá.

 

 

 

No dia 23 o festival mudou para o Club Soda, uma casa de espetáculos que já abrigou shows de Amy Winehouse, PJ Harvey, Ben Harper, Oasis, entre outros. Quem abriu a noite foi o The Sentries, de Ottawa, com uma mistura de ska, reggae, rocksteady, dub, além de jazz jamaicano. Som pra dançar: impossível ficar parado. Depois da pista do Club Soda parecer um salão jamaicano da década de 1970, a Crash Ton Rock fez a galera pular com muito punk rock cantado em francês. A banda veio de Saguenay (uma cidade que também fica na região do Quebec), onde atua desde 2006 e é uma das principais bandas da cena local. De Vancouver, veio a divertidíssima The Dreadnoughts, conhecida no Canadá como “the biggest, baddest, drunkest, punkest folk band”. Um lance bem Gogol Bordello, Flogging Molly, Dropkick Murphys, street punk meio celta, cheio de violino, bandolim, galera dançando polka e um vocalista/guitarrista super debochado que tirou sarro da plateia que estava na área vip – e das próprias bandas de ska, dizendo que qualquer um tocava isso na guitarra – o tempo todo.  Destaque pra violinista da banda, que além de fazer toda a diferença musicalmente, foi ótima também na performance de palco.

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The Planet Smashers

A atração principal da noite era o The Planet Smashers, banda de ska (de vez em quando uma levada meio punk, de vez em quando uma levada meio pop) de Montreal que já vendeu mais de um milhão de cópias de discos (8, até o momento, inclusive o show faz parte da turnê do Mixed Messages) pelo mundo inteiro. O Club Soda, de fato, só encheu quando o The Planet Smashers subiu ao palco. A banda fez um show repleto de hits que foram cantados pelo público o tempo todo. Inclusive, ouviu lamentos quando “pediu” pra tocar músicas do disco novo.

 

 

 

 

De volta ao Café Campus, a terceira e última noite do festival foi aberta pelo ska-rocksteady do The Classy Wrecks, banda formada em 2016 em Toronto. Apesar do pouco tempo de vida, o The Classy Wrecks já tem dois EP’s e lançou seu disco de estreia em 2018. Foi um show curto, mas deu pra conhecer um pouco a banda. Na sequência, The Peelers, banda formada no Condado de North Glengarry, no leste de Ontário, em 1999, mas que agora firmou base em Montreal. Assim como o The Dreadnoughts, são reconhecidos por todo o Canadá como uma das mais notórias bandas de punk celta, ou seja, foi um show que misturou muito punk rock com música tradicional irlandesa. O lineup do terceiro dia sofreu uma baixa: o Beatdown, principal banda da noite, precisou cancelar. Quem entrou no lugar foi o Rub-a-dub Rebels, banda que não estava na programação – mas que fez o after-party do segundo dia de festival – e que acabou fazendo um dos melhores shows dos 3 dias.  No saxofone – e também nos vocais – estava Lorraine Muller, ex-integrante do The Kingpins, figura importantíssima na cena de ska de Montreal, reconhecida por ter sido a primeira mulher a ter sucesso na cena, onde atua desde 1995 (e responsável por me receber e me credenciar no festival. Thank you, Lorraine, you’re the best!).

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The Void Union

A última banda da noite foi o The Void Union, que veio de Boston pra encerrar o festival. Cheios de influências de reggae, early ska, rocksteady, jazz e soul, o The Void Union fez um show extremamente dançante e que manteve o público na pista o tempo todo. Finalizaram com “Enjoy Yorself (It’s later than you think)”, música de Carl Sigman e Herb Magidson, gravada por Guy Lombardo e His Royal Canadians e lançada pela Decca Records em 1949. A música teve várias versões, adaptações e regravações, e a minha preferida é a do The Specials, lançada em 1980 no disco More Specials – que eu acho, inclusive, é a versão mais executada pelas bandas e DJs de ska. Uma música perfeita pra fechar o festival e nos lembrar que os anos passam num piscar de olhos, então, né, vamos nos divertir 🙂

Uma missão discente na UFPE, proporcionada pelo projeto de cooperação Cartografias do Urbano na Cultura Musical e Audiovisual entre as universidades Unisinos/UFF/UFPE, me jogou lindamente por um semestre no Recife e eu acabei dando muita sorte, já que peguei um semestre onde aconteceria o MADA – Música Alimento da Alma, um dos festivais mais importantes do circuito, em atividade desde 1998.

Pioneiro no estado e uma das referências no país por apresentar bandas e artistas emergentes da cena independente ao lado de expoentes do mercado da música, o Mada teve sua 19ª edição durante os dias 29 e 30 de setembro, no Arena das Dunas, em Natal/RN, e eu pude conferir de perto tudo o que aconteceu.

Uma ótima estrutura – dois palcos lado a lado – garantiu a pontualidade dos shows, já que enquanto uma banda tocava, a outra já estava se preparando para entrar no palco. De fato, poucos minutos separaram cada show da noite, o que manteve o público animado e totalmente aquecido durante todo o tempo.

Na sexta-feira, dia 29, os shows foram de Eliano, artista de Pau dos Ferros/RN, que tem um trabalho ligado ao folk rock e a literatura, com banda formada por Ricardo Baya, Júnior Primata e Ericksson Grilo. Após o show intimista de Eliano, a paulistana Deb And The Mentals fez uma apresentação punk, animada e dançante. Com o elogiado disco Mess, lançado no início do ano, a banda formada por Deborah Babilônia (voz), Guilherme Hypolito (guitarra), Giuliano Di Martino (bateria) e Stanislaw Tchaick (baixo) mostrou por que foi a vencedora da Seletiva Nacional do Mada.

Depois de Deb And The Mentals foi a vez da potiguar Seu Ninguém, banda formada por Luana Alves (voz, teclado e escaleta), Erick Allan (baixo), Luan Régio (guitarra e voz), Salomão Henrique (guitarra e teclado) e Italo Alves (bateria), apresentando um show mais indie/pop rock. A banda ainda não tem disco, mas tem vários singles lançados, como “Dois Quarteirões”, “Dia Frio”, “Sua Canção de Amor”, “Termidor”, “Arrojo”, entre outras.

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Baco Exu do Blues (Foto: Carol Govari Nunes)

Quem subiu ao palco às 21h40min foi Baco Exu do Blues, rapper baiano que trouxe ao Mada seu elogiadíssimo disco Esú. Karma, santos, profano, sagrado, amor, desgraça, minorias, ironias: tudo é pauta para as rimas de Baco Exu do Blues, que foi para o meio da galera, nas duas pistas, duas vezes durante o show.  Público cantando tudo o tempo inteiro, certamente um dos shows mais marcantes dessa edição do Mada.

A linda da Mahmundi foi quem tocou após Baco Exu do Blues. Com um som pop/ synthpop, cheio de batidas eletrônicas e refrãos marcantes, Mahmundi conduziu o show sempre interagindo com o público, inclusive dizendo para que as pessoas puxassem assunto uma com as outras ali mesmo no show, conversassem com quem está ao seu lado. Enquanto escrevo, observo o setlist que trouxe pra casa e me pego lembrando das ótimas “Hit”, “Eterno Verão” e “Calor do Amor” (que fechou o show).

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Plutão Já Foi Planeta (Foto: Carol Govari Nunes)

Outra apresentação massa (o line up desse festival tava bom, hein?) foi da também potiguar Plutão Já Foi Planeta, banda que vergonhosamente eu não conhecia e achei a apresentação impecável. Banda ensaiada, em sintonia, com vontade de tocar. Eles lançaram neste ano o disco A Última Palavra Feche a Porta, produzido por Gustavo Ruiz, com participações de Liniker e Maria Gadú. Formada por Natália Noronha (voz, violão, teclado, baixo), Gustavo Arruda (voz, guitarra, baixo), Sapulha Campos (voz, guitarra, ukulele, escaleta), Vitória De Santi (baixo, teclado) & Renato Lelis (bateria), a banda protestou contra a cura gay e fez um beijaço no palco, durante a música “Alto Mar”. Eram uns 15 casais homoafetivos e heterossexuais, que entraram com máscaras do #ForaTemer e do líder-dos-bolsominions, rasgando as máscaras antes de se beijarem. O público também respondeu super bem – participando do protesto, gritando muito, se beijando muito.

Penúltimo show da noite, a Banda Uó trouxe toda a irreverência do tecno pop com pitadas de brega e funk. Eles vêm de Goiânia, mas claramente têm um pé no Pará, o que resulta em uma mistura de ritmos latinos, paraenses e o legítimo tecnobrega da aparelhagem e do funk. O trio surgiu 2010 e é formado pelos vocalistas Mel Gonçalves (Candy Mel), Davi Sabbag e Mateus Carrilho – todos ótimos no palco, trabalhando o tempo todo com coreografia e muita energia.

Quem encerrou a primeira noite do Mada foi Nando Reis com a turnê Jardim Pomar, que tem show assinado por Roger Velloso. No setlist, músicas do novo disco como, por exemplo, “Só Posso Dizer”, “Azul de Presunto”, “Pra Onde Foi”, “Inimitável”, e também grandes sucessos como “Os Cegos do Castelo”, “Sou Dela”, “All Star” (dedicada à Cássia Eller <3, claro), “Relicário” e “Marvin”. O show terminou às 3h15min, mas o artista voltou para um bis com “O Segundo Sol” e “Do Seu Lado”.

No sábado, dia 30, o Mada começou com a banda Kung Fu Johnny, formada por Cesar Valença (guitarra), Ian Medeiros (bateria e vocais) e Walter Nazário (baixo). O trio de Natal abriu o último dia do festival com uma pegada mais stoner, com guitarras pesadas e apresentou músicas do álbum Day By Day. Logo depois do Kung Fu Johnny, veio a banda Carne Doce, direto de Goiânia, com um show mais psicodélico e letras poéticas. Salma Jô, vocalista, é quem comanda o show ao lado de João Victor Santana (guitarra e sintetizador), Ricardo Machado (bateria) e Anderson Maia (baixo).

Outro trio potiguar que se apresentou no festival foi DuSouto, que apresentou o álbum Conecta, lançado recentemente nas plataformas digitais e inédito ao vivo até o momento em que subiram no palco do Mada. A banda traz influências da música eletrônica e acaba misturando ritmos latinos, nordestinos, com reggae e dub.

Na sequência, um dos nomes femininos mais fortes do rap nacional, Karol Conká. Com um show vibrante e que agitou o público, Karol preencheu todo o (grande, para quem está somente acompanhada de um DJ) palco do Mada, apresentando uma sequência de sucessos e muito bom humor. O público, participativo durante todo o tempo, se esmagava na grade para ficar mais próximo da cantora, e alguns ainda tiveram a sorte de subir ao palco para dançar com Karol. Hits como “Lalá”, “É o Poder”, “Tombei” e “Maracutaia” foram entoados como hinos pelo público.

Uma versão de “Back to Black”, de Amy Winehouse, finalizou o show. Karol saiu do palco, mas não foi embora: ficou à espero de uma participação especial no show que viria a seguir, de Pitty.

Meu relógio marcava 23h50min quando Pitty subiu ao palco, ovacionada pelas 7 mil pessoas presente no Arena das Dunas. A primeira fila era marcada por fãs que estavam ali desde antes da banda Kung Fu Johnny e que não se movimentaram, como a maioria do público da pista Rockstage, entre as trocas de palco.

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Pitty (Foto: Carol Govari Nunes)

A banda abriu o show com “SETEVIDAS” e nesse momento eu percebi que não conseguiria me movimentar, como nos shows anteriores. Tentei descer para as pistas, mas elas estavam abarrotadas de gente e ninguém queria ceder ou dividir o espaço que conseguiu ficando tantas horas ali, em pé, à espera daquele show. Eu entendo perfeitamente, então voltei para a coxia e vi todo o show dali, o que me proporcionou uma visão do público que eu nunca tinha tido e que foi muito interessante. Se eu tinha sentido uma mini frustração porque não ia conseguir ver a banda de frente, essa frustração foi rapidamente apagada ao perceber que teria uma experiência diferente e enriquecedora de poder observar as trocas, os vínculos e as negociações entre Pitty e público.

A cantora conversou com a galera o tempo todo: se ajoelhou, fez reverências, agradeceu quem estava ali naquela noite, inclusive se deslocando de outros estados. Um show só acontece porque ali há ações, interações e relacionamentos – mesmo que aqui eu esteja falando da atuação de Pitty, a performance é algo que acontece entre performer e sua audiência, ou seja, é uma prática relacional. No caso do público de Pitty presente no Mada, foi notória a participação deste no processo e na reconfiguração do evento performático, onde pude perceber uma conexão super afetuosa entre cantora e plateia.

Por mais que haja um roteiro estabelecido (um setlist a ser seguido), há também uma reinvenção e uma (re)experimentação de Pitty durante o show. “SETEVIDAS”, mesmo, e as músicas que vieram na sequência, como “Admirável Chip Novo”, “Anacrônico” e “Memórias”, foram apresentadas com mudanças nos arranjos e experenciadas pelo público de forma diferente.

A participação de Karol Conka em “Respect”, número que as duas tinham feito no Criança Esperança deste ano, e do BaianaSystem, cantando “Duas Cidades”, do álbum Duas Cidades, do Baiana, foram ótimos momentos dessa edição do Mada. Além dessas participações, que me levam a pensar 1) na reafirmação da cantora em seu local de fala sobre empoderamento feminino, cantando, com Karol, um do maiores hinos feministas de todos os tempos, e 2) um desapego da estética performática padrão do rock ao dialogar com a guitarra baiana e  todos os ritmos trazidos pelo BaianaSystem, temos também a inserção de trechos de “Sociedade Alternativa”, de Raul Seixas, no meio de “Admirável Chip Novo”, “Asa Branca”, de Luiz Gonzaga, no meio de “Memórias” e “Bom Senso”, de Tim Maia, no meio de “Máscara”, além de, claro, “Dê Um Rolê”, dos Novos Baianos, que marcam, de forma intencional ou não, uma forte ligação da cantora com o Nordeste e com a música brasileira.

Depois de Pitty, Kaya Conky, a “dona de Natal”, apresentou seu maior sucesso “E Aí Bebê”, além de canções do seu novo EP e covers de Anitta e Ludmilla.

Pra fechar a edição 2017 do Mada veio o combo sonoro do BaianaSystem, formado pelo carismático Russo Passapusso e os multi-instrumentistas Roberto Barreto, SekoBass e Filipe Cartaxo. Foi um dos shows mais pesados e com público respondendo insanamente que eu lembro de ter presenciado. É uma interação bem diferente de show de rock, por exemplo. A banda traz uma riqueza rítmica de sons ancestrais da Bahia, do samba do Recôncavo, dos tambores, guitarra baiana, do samba reggae, ijexá, axé e kuduro misturados ao sound system da Jamaica, o que faz com que todo mundo dance muito. Nesse show eu fiquei durante a maior parte do tempo na lateral do palco, mas também consegui caminhar pela pista Rockstage – fui pra sentir como era lá de baixo, como a galera vivia aquele show. O negócio era um absurdo. O meu corpo nem reconhecia aquela atividade direito – sou público, jornalista e pesquisadora de rock, com uma memória corporal típica do rock, então imaginem a desordem do meu corpo vendo BaianaSystem pela primeira vez. E vendo Banda Uó. E vendo Kaya Conky. E shows de música brega, aqui no Recife. Se o Nordeste não amolecer o meu corpo formatado pelo rock gaúcho, não sei o que vai.

Carol G. Nunes@carolgnunes

Na semana da consciência negra, o projeto Domingo no Parque promoveu a tarde de música afro-gaúcha, onde Richard Serraria, músico e pesquisador, apresentou um repertório baseado em canções que priorizam tematicamente a presença negra em Porto Alegre.

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O Bataclã FC fechou a tarde de música afro-gaúcha (Foto: Carol G. Nunes)

Cheio de convidados especiais, o show “Mais tambor, menos motor” animou a tarde de ontem, 22, no Auditório Oi Araújo Vianna. Foi incrível, emocionante. Há tempos eu estava tentando ir a algum show do Richard Serraria, então acho que dei muita sorte de pegar seus três projetos numa única tarde: Alabê Ôni, o grupo percussivo, de raiz africana no sangue, na cultura e espiritualidade, que abriu a tarde; o Pampa Esquema Novo, um disco lindo, com o qual eu tinha mais familiaridade, que trata da fusão de ritmos e gêneros envolvendo a poesia no formato canção com base na africanidade do cone sul; e o Bataclã FC, que faz uma fusão de rock, samba, funk, hip hop e música regionalista – tudo isso com muito peso e poesia.

Entre os convidados, Tonho Crocco, Andréa Cavalheiro, Marcelo Delacroix, Paulo Dionísio, Mini Bateria dos Imperadores do Samba, Ronald Augusto, Kaubi Tavares, La Uruleyra e Lilian Rocha (sério, o que foi aquela declamação – ou mastigação – da Lilian Rocha? To arrepiada até agora).

Os três trabalhos de Richard estão totalmente ativos: Alabê Ôni está fazendo a divulgação de um DVD, o Pampa Esquema Novo está com CD e o Bataclã FC acaba de lançar disco novo. Inclusive, dia 28, próximo sábado, tem show de lançamento do disco “A teimosia da felicidade” (Bataclã FC & Mastigadores de Poesia), no Espaço Cultural 512 (João Alfredo, 512), em Porto Alegre.

O repertório do show “Mais tambor, menos motor” foi esse:

  1. Aré para Bará (a capela, entrando no palco)
  2. Toborine (declamação Ronald Augusto)
  3. Alabe Oni (canto e dança Pingo)
  4. Cantos de Macambique e Quicumbi (Mimmo e Serra)
  5. Milongón e Chicalatum (canto Mimmo)
  6. Pampa Esquema Novo (Serraria e Andrea Cavalheiro)
  7. Giba Gigante Negão (Serraria e Paulo Dionísio)
  8. O Jangadeiro não sabe nadar (Serra e Andrea Cavalheiro)
  9. Doce amor se fez samba puro (Serraria, Delacroix e Andrea Cavalheiro)
  10. Só se for só
  11. Um bonde chamado desejo (Serraria e Tonho Crocco)
  12. Jaqueline Negadiaba (Andréa Cavalheiro e Marcelo Delacroix)
  13. Dread Lock (Paulo Dionisio)
  14. Bate bate forte o tambor (Kauby Tavares, Andrea Cavalheiro e Serraria)
  15. Crenças a céu aberto (BFC e Lilian Rocha)
  16. Menino Pandeiro (BFC e Andrea Cavalheiro)
  17. Barulhinho Bom (BFC e Marcelo Cougo)
  18. Quem é dusmeu vem junto (BFC, Andrea Cavalheiro e Tonho Crocco)
  19. Cabelo Pixaim (BFC, Angelo Primon, Ronald Augusto, La Uruleyra e Primon)

Quem esteve ontem no Auditório Oi Araújo Vianna pode prestigiar Richard Serraria, Tonho Crocco, Marcelo Delacroix e toda essa gente talentosa numa festa incrível de música e poesia – e de graça. Quem não foi, perdeu muito, acreditem. Essa celebração da música afro-gaúcha vai ficar marcada na história de Porto Alegre.

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Final do show Mais Tambor, Menos Motor, com todos os participantes no palco (Foto: Carol G. Nunes)

Sei que ainda vai rolar muita coisa massa no Domingo no Parque e acho que prestigiar os artistas locais é mínimo que a gente tem a fazer. São tardes de música gratuita, onde circula informação, cultura e muito aprendizado. Eu saí de lá sabendo coisas que eu não sabia antes de entrar. E vai ter tarde de samba, reggae, Império da Lã, Cantoras Gaúchas e outros inúmeros artistas ainda em 2015 e durante 2016: é só se ligar no site do projeto.