VI Comúsica, Casa do Samba de Dona Dalva, Lazzo Matumbi e outras histórias

Posted: 30/07/2019 in Reggae, Rock, Samba
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Meu último congresso científico como doutoranda foi o VI Congresso Nacional de Comunicação e Música – Comúsica, que aconteceu no começo deste mês, entre os dias 3 e 5 de julho, na UFRB, em Cachoeira, Bahia (cheguei na Bahia no 2 de julho – pense!). Este foi o último congresso porque defendo em fevereiro de 2020, então o segundo semestre vai ser focado na escrita da tese.

Acho que eu não poderia escolher evento melhor para encerrar essa etapa da minha formação. O VI Comúsica focou nos temas Música, Memória e Sensibilidades, e os encontros dos GTs, além das palestras, levantaram temas que me afetam muito e em diversas instâncias pra além da academia.

A tradição musical que Cachoeira possui – as filarmônicas, o samba de roda, o reggae do Recôncavo – acabou dando um toque muito especial ao evento. Ter a oportunidade de participar de um congresso e ainda entrar em contato com a cultura e a música local é algo incrível, pois suscita questões para a minha própria pesquisa que eu não veria ficando somente na minha cena musical/cultural (falo sobre isso com frequência, pois funciona muito, pelo menos pra mim, sair do meu lugar confortável de vida/pesquisa).

E Cachoeira teve muito a me mostrar: o reggae noturno nos bares, o licor, a dança, os corpos, a maniçoba, a fala devagar, o tempo que corre em um ritmo completamente diferente, as ruelas, a penumbra, os prédios históricos, a ponte, São Félix do outro lado do rio.

Casa do Samba de Dona Dalva

A coordenação do Comúsica organizou uma visita guiada à Casa do Samba de Dona Dalva Damiana de Freitas, cantora e compositora do Samba de Roda Suerdieck, primeiro grupo artístico de Cachoeira, fundado por ela em 1958. O nome do grupo vem da fábrica de charutos homônima, onde dona Dalva trabalhava. Por mais de uma década, as apresentações do Samba de Roda Suerdieck se limitaram aos eventos da fábrica e ao calendário religioso da cidade, quando saía em cortejo pelas ruas e organizava rodas de samba sem o uso  de equipamentos de sonorização.

Seu grupo teve papel importantíssimo para que o Samba de Roda do Recôncavo da Bahia fosse tombado pelo IPHAN como Patrimônio Imaterial Nacional, e posteriormente reconhecido pela Unesco como Patrimônio Imaterial da Humanidade. Em 2012, Dona Dalva recebeu o título de Doutora Honoris Causa da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).

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Momento da oficina do samba de roda (Foto: Morena Melo Dias)

Any Freitas (uma querida!), neta de dona Dalva – e também sambadeira, como sua mãe e sua avó –, foi quem guiou a visita e contou toda a história de vida de sua avó, que infelizmente não estava presente, pois havia contraído uma virose, assim como o resto do grupo. Além de guiar a visita, Any, junto com seu tio (que vergonhosamente esqueci o nome, falha minha), ministraram uma oficina onde pudemos aprender um pouco como se toca o samba de roda em seus principais grupos: lembro que um deles era o samba corrido. Tocamos pandeiro, os blocos de madeira (utilizados pelas sambadeiras para acompanhar o ritmo), batemos palmas, Any dançou, cantou, tocou chocalho, explicou a origem do “samba de raiz”, o pé no chão, a “umbigada” que chama para dançar no centro da roda. Foi uma noite ótima e muito, muito emocionante. A energia presente na Casa do Samba de Dona Dalva é um negócio absurdo, que te atravessa o corpo todo. Fico pensando como é quando ela está lá.

Eu gostaria muito de estar em Cachoeira nos próximos dias, já que de 13 a 17 de agosto acontece a Festa da Nossa Senhora da Boa Morte. Como infelizmente isso não é possível, acompanho pelas redes sociais da Casa de Samba, onde também é possível colaborar com doações.

Lazzo Matumbi – Batuques do Coração  

No dia 6 de julho, após o fim do Comúsica, fui para Salvador. Para minha sorte, estava rolando o show Batuques do Coração, de Lazzo Matumbi, apresentado em duas únicas sessões (6 e 7 de julho) na Sala do Coro do Teatro Castro Alves, onde o artista homenageou os blocos de samba que recontam a história do povo negro no Brasil, ou seja, fechou demais com o clima e a energia que eu trazia de Cachoeira.

Vi o show do dia 7 (no dia 6 acabei ficando pelo Rio Vermelho e fazendo um “passeio” pelos bares alternativos, mas não vou entrar nesse assunto, acho que ele não cabe nesse post), onde, num ambiente totalmente intimista, Lazzo interpretou clássicos do samba, como músicas de Donga, João da Baiana e Heitor dos Prazeres, precursores do gênero. A direção musical do espetáculo foi dividida entre Lazzo e Tote Gira, grande compositor baiano, e os dois conversaram muito com a plateia durante todo o show: contaram como surgiu a ideia desse espetáculo, a seleção das canções, a ideia de ser algo bem íntimo, mesmo, como se fosse na sala da casa de Lazzo.

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Lazzo Matumbi – Batuques do Coração (Foto: Carol Govari Nunes)

Com quase 40 anos de carreira, Lazzo Matumbi, que mistura sonoridades como reggae, batuques africanos, samba, soul, jazz, maracatu, ijexá, aguerê, alujá, entre tantas outras células rítmicas, é considerado um dos maiores intérpretes do Brasil. O artista, que iniciou a carreira no bloco afro Ilê Aiyê, disse que fazia tempo que queria fazer um show onde pudesse ficar perto da plateia, conversando calmamente, algo que não acontece quando está em um trio elétrico.

Após quase 2 horas de show, Lazzo encerrou a noite falando sobre resistência, luta, amor e a força do povo negro. Uma noite memorável para todos os presentes, que na saída da Sala do Coro do Teatro Castro Alves tomaram uma chuva torrencial pra completar de lavar a alma.

Outras histórias

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Capa do Moscote (Divulgação)

Na segunda, dia 8, encontrei o querido Thiago Trad, percussionista, compositor e multi-instrumentista, que trabalha atualmente no show de Moscote, seu primeiro disco solo, após ter integrado o Cascadura durante os seus últimos 15 anos. Moscote é um disco de jazz instrumental contemporâneo, fruto de uma pesquisa in loco na qual ele percorreu o mundo – seja tocando ou apenas investigando sons. Em uma dessas andanças, passou por Porto Alegre, em 2015, com o projeto Bahia Experimental, onde finalmente pudemos nos conhecer pessoalmente.

Thiago e eu conversamos sobre inúmeros assuntos, entre eles algo que eu já havia conversado com Fábio Cascadura, em Toronto: as similaridades e os atravessamentos musicais entre bandas de Porto Alegre e Salvador. E não é só porque “todo mundo morou junto, em São Paulo”, vai além disso e muito antes disso: a influência direta d’Os Cascavelletes no Dr. Cascadura, a forma com que as bandas falam sobre amor, sobre sexo, o humor mais irônico, o jeito “esculhambado”, como disse Thiago – e que aqui em Porto Alegre se aproximaria do que a gente chama de “chinelagem” –, a aversão às normas dominantes e outras características que encontramos em inúmeras canções. Claro que muito disso acaba sendo datado, nas duas capitais, entre meados dos anos 1980 e começo dos anos 2000 – e, claro, também, que são características encontradas em bandas de rock de outras cidades do país. Mas, não sei, sempre tive a sensação de que existe alguma coisa aí que faz uma liga, sim.

Ou quem sabe isso seja só uma forma de eu justificar o motivo das minhas bandas preferidas serem gaúchas e baianas. Porque, óbvio, eu preciso encontrar uma explicação pra isso – assim como fico buscando, exaustivamente, explicação pra tudo ao meu redor. Provavelmente não vai ser aqui, nesse texto, que eu vou finalmente encontrar essa explicação. Na verdade, confabular teorias com amigos é muito mais divertido e estimulante do que chegar a uma conclusão. Sorte minha ter tanta gente – e tanta música – massa assim na minha vida.

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