Archive for the ‘Jazz’ Category

Eu queria ser amiga do Kamasi.

Aquela figura imponente, carismática, incrivelmente talentosa, que entrou a passos lentos no palco do Araújo Vianna. Eu queria muito ser amiga do Kamasi.

Foi com essa frase na cabeça que saí do auditório ontem, dia 26 de março, após o show de um dos artistas mais talentosos da nossa geração.

Kamasi Washington (Todas as fotos por Gabriela Baum / Amora Imagem)

Com uma banda extremamente envolvente e entrosada, o saxofonista californiano fez jus ao título de “embaixador do jazz” – nomeação que, pela sua expressão durante toda a noite, ele parece pouco se importar. O que Kamasi parece de fato se importar é com a música em si: a diversão, o improviso, a magia do jazz. Kamasi está presente o show inteiro; sorri para seus companheiros de banda, senta, circula, dá espaço para que os outros músicos tenham destaque. Acho incrível assistir a uma banda que se olha. Uma banda que se olha e sente que deve fazer. Uma banda que não faz um show protocolar, que não tenta nos convencer de que é uma banda foda. E, diga-se de passagem, que banda era aquela?! O mais absoluto deleite observar Kamasi, Miles Mosley, Dontae Winslow, Brandon Coleman, Antonio Austin, Ronald Bruner Jr e a ma-ra-vi-lho-sa Patrice Quinn juntos no palco.

Parido na encruzilhada afrodiaspórica que liga a África e as Américas, o jazz brinca com o rock, o funk, o gospel e o R&B. Kamasi, nesse novo cenário, traz em sua bagagem referências da manifestação artística nascida em New Orleans, mantendo um pé na cultura popular, mas, com o outro, invoca elementos da música pop contemporânea, elaborando sua própria concepção musical. O ritmo sincopado, o suingue, a psicodelia, a improvisação, a estrutura, a sincronia fora de sincronia, as melodias quebradas: inúmeros significados, várias possibilidades, tudo celebrando perfeitamente a harmonia da diferença.

No palco, assim como em seus álbuns, Kamasi aponta na direção da pluralização, priorizando as artes fronteiriças, conflituosas, fazendo um show que é um movimento, uma passagem. O público nem percebe se uma música tem um ou sete minutos, tamanha a imersão a que fomos conduzidos.

Seja em sua vestimenta ou em suas melodias, Kamasi faz uso de seu corpo-político e tem muito êxito ao referenciar a ancestralidade africana durante toda a sua performance. Mesmo que na maioria de suas canções não haja uma única letra, o viés político é presente. E quando há letra, como é o caso de “Fists of Fury”, isso fica ainda mais explícito ao falar de luta coletiva, de retomada de poder.

Mais do que um show, o que Kamasi proporcionou na noite de quinta-feira, no Araújo Vianna, foi uma experiência inesquecível e excepcional.

Eu queria ser amiga do Kamasi.

Elza Soares, ou melhor, Doutora Elza Soares, definitivamente uma das maiores artistas da nossa época, passou com sua turnê Deus é Mulher pelo Opinião, em Porto Alegre, no último sábado, 25 de maio.

Depois de dois anos sem se apresentar em Porto Alegre, a Voz do Milênio (eleita pela BBC de Londres) cantou as músicas do seu disco mais recente, o elogiadíssimo Deus é Mulher, e sucessos que traz ao longo de toda a sua carreira.

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Elza e banda, sob forte aplauso, ao final do show (Foto: Carol Govari Nunes)

Uma banda excelente acompanha Elza nessa turnê, que tem direção musical de Guilherme Kastrup (também é o baterista da banda). Além de Guilherme, vemos no palco Rodrigo Campos (guitarra e cavaco), Rafa Barreto (guitarra e Synth), Luque Barros (baixo e synth), Da Lua (percussões) e Rubi (vocais). Na verdade, essa banda não “acompanha”, somente, Elza; essa banda faz um show que preenche todo o ambiente: é vivo, pulsante, uma delícia de assistir. E sentada em seu trono, tal qual a rainha que é, Elza Soares emociona tanto que eu nem encontro adjetivos suficientes para explicar.

Vê-la ao vivo, cantando com aquela voz inconfundível, é um privilégio. Para além de sua voz excepcional, a presença de Elza no Opinião foi marcada pela força, garra, gentileza, generosidade, humildade e gratidão que a cantora transpira.

Sob aplausos e gritos constantes da plateia, que entoava repetidamente “Doutora! Doutora! Doutora!”, título que recebeu no domingo, 26, na UFRGS, por sua relevância artística e também por causa de sua vida pública no combate ao racismo e à promoção da cultura afro-brasileira – este foi o primeiro título de Doutora Honoris Causa concedido a um músico pela universidade, vale lembrar –, Elza defendeu os professores, as universidades públicas, falou do direito à educação e de como a educação transforma vidas. Um show político e extremamente necessário dentro do contexto em que nos encontramos.

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Elza Soares – Deus é Mulher (Foto: Carol Govari Nunes)

Elza falou também de sua relação de amor com a cidade e com o amigo Lupicínio Rodrigues, que a trouxe para Porto Alegre para fazer o primeiro show profissional de sua carreira. Além do amor por Porto Alegre e por seu povo, falou da necessidade do amor em tempos de ódio, contagiando o público (super diverso em gênero, raça e idade), que a respondia fervorosamente em todos os momentos.

Com seu disco anterior, A Mulher do Fim do Mundo, que lhe rendeu um Grammy Latino de melhor álbum de música popular brasileira, Elza se conectou com um público novo, virtual, necessitado de referência e representatividade. Hoje, com seus quase 70 anos de carreira, a artista, com o disco Deus é Mulher, reforçou seu lugar de fala e atinge cada fez mais todas as faixas etárias – consolidando-se como porta-voz de um povo faminto por discursos coerentes e letras que falem sobre o empoderamento da mulher, a força dos negros, o direito das minorias; letras que falem sobre dar, comer, denunciar, gritar; letras que são puro sentimento e verdade quando saem de sua boca.

 

Elza Soares, a neta e bisneta de escravas, a mulher, mãe, a encaixotadora, a cantora, aquela que não foi levada à sério, aquela que, entre deboches e risadas, respondeu que veio do “planeta fome”, a artista gigantesca, a ativista, a mulher do fim do mundo, a voz do milênio, a doutora honoris causa: que privilégio vê-la ali, diante de mim, cantando ao vivo. Obrigada, Elza.

 

 

Antes tarde do que muito mais tarde, resolvi fazer um resumão de todos os shows que vi durante os 6 meses que passei em Montreal (3 shows – The Interrupters, Rat Boy e Masked Intruder – vi em Quebec City, e outros 2 shows – The Creepshow e Quinzelle – foram em Ottawa).

Os que já estão publicados aqui no blog são aqueles em que fui credenciada como imprensa; os outros, como não encontrei tempo para escrever e postar (atividades, prazos e relatórios do doutorado-sanduíche, sabem como é), vou escrever rapidamente neste post. A ideia é fazer um registro, mesmo, apenas uma lista com links para as bandas, caso alguém tenha interesse em ouvir. Dos shows que mais me impressionaram, vou fazer alguns comentários – nada muito crítico ou aprofundado.

Vale lembrar que Montreal é uma cidade conhecida por seus festivais de música. Além dos festivais, é uma cidade onde rolam dezenas de shows absolutamente t-o-d-o-s os dias. Eu passei o inverno lá – quando teoricamente qualquer cidade dá uma hibernada e, afinal, peguei temperaturas de -30ºC (feels like -35ºC) –, e mesmo assim tive que escolher no que não ir. E no início de 2019 precisei focar em todas as chamadas de artigos e eventos científicos, então não consegui ver nada durante janeiro e fevereiro.

Por uma questão de ordem, vou listar todos os shows, e os que já estão postados, vou colar o link para o texto 😊

2018

10 de novembro: Stiff Little Fingers (abertura: The Mahones)

22, 23 e 24 de novembro: Montreal Ska Festival com Danny Rebel & The KGB, The Hangers, Foolish, The Planet Smashers, The Dreadnoughts, The Sentries, Rub-a-Dub Rebels, The Void Union, The Peelers e The Classy Wrecks.

8 de dezembro: K-Man & The 45s, Sprankton, The Slums, The Cardboard Crowns

13 de dezembro: The Lef7overs, Lousy Riders, Muffler Crunch e Nightwiches. Ponto alto, na minha opinião, para The Lef7overs, que pude ver novamente em 22/03/19, e Muffler Crunch, um duo pesadíssimo composto por Angie “The Barbarian” na bateria/voz e Luc Lavigne (guitarra/voz). Vale pesquisar, ver vídeos – ao vivo, de preferência. Baita performance, acreditem.

2019

8 de março: Danny Rebel & KGB. Já tinha visto a banda no Montreal Ska Festival, mas neste dia, no Hurley’s Irish Pub, o som estava muito melhor. A banda é ótima, tem ótimos discos. Vale a pena procurar.

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Pixies (Foto: Carol Govari Nunes)

13 de março: Pixies e Weezer (abertura: Basement). Os shows aconteceram no Centre Bell, ginásio onde ocorrem as partidas de hóquei e também shows grande em Montreal (comporta mais de 30 mil pessoas). O show do Pixies entrou no Top 5 dos melhores shows que já vi até hoje. A banda nunca esteve entre as minhas favoritas, mas fiquei realmente impressionada com a precisão e perfeição da execução das músicas. Um show incrível. O do Weezer foi um show muito bom, em termos técnicos, mas que não me emocionou. (E talvez eu tenha ficado tão impactada com o Pixies que nem tenha conseguido dar a devida atenção ao Weezer)

15 de março: The Sentries (que eu já tinha visto no Montreal Ska Festival. É uma big band com um bom repertório e um bom show) e The Beatdown

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The Interrupters (Foto: Carol Govari Nunes)

19 de março: The Interrupters, banda de ska-punk, uma das minhas preferidas, atualmente. A abertura ficou por conta do Rat Boy e Masked Intruder. O show do The Interrupters foi ótimo, superdivertido, pra cima, como todas as músicas dos 3 discos (todos produzidos pelo Tim Armstrong e lançados pela Hellcat Records, vale apontar). Os irmãos Binova se destacam muito mais do que Aimee “Interrupter” Allen, vocalista da banda, mas é um show que funciona bem.

22 de março: Mustard Plug, PLMafia e The Let7overs

23 de março: Amanda Fucking Palmer. Bom, o texto tá todo ali, mostrando que eu fiquei de cama depois desse show. É totalmente um exagero e parece mentira: mas sim, fiquei destruída. É um texto enorme, emotivo, que eu escrevi porque precisava escrever. Hoje estou ótima, recuperada, apenas com as cicatrizes. Fazer o que, né? Alguns shows causam esse impacto em mim.  ¯\_(ツ)_/¯

26 de março: David Rourke Trio (com André Withe e Eric Lagagé) e outras duas bandas de jazz de estudantes da McGill University.

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The Creepshow (Foto: Carol Govari Nunes)

3 de abril: Concordia Jazz Students – uma jam session com duas bandas de estudantes da Concordia University. Duas vezes por semana os estudantes se reúnem para essa jam no Upstairs, um ótimo bar de jazz que tem em Montreal.

6 de abril: The Creepshow – banda de psychobilly, com ótimos discos, mas um show beeem morno (pelo menos nesse dia) e Quinzelle.

Bom, é isso 🙂

Até o próximo show – agora no Brasil.

 

O Festival de Ska de Montreal completou 10 anos na semana passada: nos dias 22, 23 e 24 de novembro rolou muito ska, rocksteady, reggae, dub, 2 tone e punk. Boa parte das bandas, fui descobrir no segundo dia, são da gravadora local Stomp Recods, fundada com o objetivo de lançar, apoiar e unir as bandas canadenses de ska. Hoje em dia, a gravadora se denomina “a full-service ska-punk-rock-n-roll record label, booking agency and music management company based in the heart of Montreal since 1995”.

Então além de conhecer bandas novas, conheci uma gravadora que tem um vasto catálogo de gêneros musicais que eu adoro, principalmente com bandas da terceira onda do ska. Bom, dá pra ver que eu pirei na gravadora, mas vamos ao festival:

 

 

 

No dia 22, o festival ocorreu no Café Campus e quem deu início aos trabalhos foi o power trio de reggae good-vibes-total FoOlish, aqui de Montreal. A banda é massa, o show é divertido e a baixista é excelente. Tocaram alguns covers, mas as músicas autorais se sobressaíram. Na sequência, The Hangers, uma banda de rock-funk-ska-reggae que atua na cena underground de Montreal desde 2009. O show foi bem mais agitado, com mais adesão do público, que aos poucos chegava para a principal atração da noite: Danny Rebel & KGB. A banda de reggae foi formada em 2007 em Montreal com o intuito de espalhar “good vibes and good times”. E assim foi o show: com certeza o mais reggaezão e good vibe de todo o festival. Além de cantor e compositor, Danny Rebel é um baita ilustrador. Vale dar uma conferida no Instagram dele e ver os desenhos do cara por lá.

 

 

 

No dia 23 o festival mudou para o Club Soda, uma casa de espetáculos que já abrigou shows de Amy Winehouse, PJ Harvey, Ben Harper, Oasis, entre outros. Quem abriu a noite foi o The Sentries, de Ottawa, com uma mistura de ska, reggae, rocksteady, dub, além de jazz jamaicano. Som pra dançar: impossível ficar parado. Depois da pista do Club Soda parecer um salão jamaicano da década de 1970, a Crash Ton Rock fez a galera pular com muito punk rock cantado em francês. A banda veio de Saguenay (uma cidade que também fica na região do Quebec), onde atua desde 2006 e é uma das principais bandas da cena local. De Vancouver, veio a divertidíssima The Dreadnoughts, conhecida no Canadá como “the biggest, baddest, drunkest, punkest folk band”. Um lance bem Gogol Bordello, Flogging Molly, Dropkick Murphys, street punk meio celta, cheio de violino, bandolim, galera dançando polka e um vocalista/guitarrista super debochado que tirou sarro da plateia que estava na área vip – e das próprias bandas de ska, dizendo que qualquer um tocava isso na guitarra – o tempo todo.  Destaque pra violinista da banda, que além de fazer toda a diferença musicalmente, foi ótima também na performance de palco.

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The Planet Smashers

A atração principal da noite era o The Planet Smashers, banda de ska (de vez em quando uma levada meio punk, de vez em quando uma levada meio pop) de Montreal que já vendeu mais de um milhão de cópias de discos (8, até o momento, inclusive o show faz parte da turnê do Mixed Messages) pelo mundo inteiro. O Club Soda, de fato, só encheu quando o The Planet Smashers subiu ao palco. A banda fez um show repleto de hits que foram cantados pelo público o tempo todo. Inclusive, ouviu lamentos quando “pediu” pra tocar músicas do disco novo.

 

 

 

 

De volta ao Café Campus, a terceira e última noite do festival foi aberta pelo ska-rocksteady do The Classy Wrecks, banda formada em 2016 em Toronto. Apesar do pouco tempo de vida, o The Classy Wrecks já tem dois EP’s e lançou seu disco de estreia em 2018. Foi um show curto, mas deu pra conhecer um pouco a banda. Na sequência, The Peelers, banda formada no Condado de North Glengarry, no leste de Ontário, em 1999, mas que agora firmou base em Montreal. Assim como o The Dreadnoughts, são reconhecidos por todo o Canadá como uma das mais notórias bandas de punk celta, ou seja, foi um show que misturou muito punk rock com música tradicional irlandesa. O lineup do terceiro dia sofreu uma baixa: o Beatdown, principal banda da noite, precisou cancelar. Quem entrou no lugar foi o Rub-a-dub Rebels, banda que não estava na programação – mas que fez o after-party do segundo dia de festival – e que acabou fazendo um dos melhores shows dos 3 dias.  No saxofone – e também nos vocais – estava Lorraine Muller, ex-integrante do The Kingpins, figura importantíssima na cena de ska de Montreal, reconhecida por ter sido a primeira mulher a ter sucesso na cena, onde atua desde 1995 (e responsável por me receber e me credenciar no festival. Thank you, Lorraine, you’re the best!).

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The Void Union

A última banda da noite foi o The Void Union, que veio de Boston pra encerrar o festival. Cheios de influências de reggae, early ska, rocksteady, jazz e soul, o The Void Union fez um show extremamente dançante e que manteve o público na pista o tempo todo. Finalizaram com “Enjoy Yorself (It’s later than you think)”, música de Carl Sigman e Herb Magidson, gravada por Guy Lombardo e His Royal Canadians e lançada pela Decca Records em 1949. A música teve várias versões, adaptações e regravações, e a minha preferida é a do The Specials, lançada em 1980 no disco More Specials – que eu acho, inclusive, é a versão mais executada pelas bandas e DJs de ska. Uma música perfeita pra fechar o festival e nos lembrar que os anos passam num piscar de olhos, então, né, vamos nos divertir 🙂

Carol Govari Nunes@carolgnunes

Foi numa tarde de 2000 que minha irmã me fez sentar no sofá e escutar algumas músicas do “Janis Joplin’s Greatest Hits”. Meus pais têm até hoje o mesmo aparelho de som (toca discos, toca fitas e CD) no mesmo local, na mesma sala, e o início da minha identidade musical foi construída ali. Eu gostava de Bidê ou Balde e Acústicos & Valvulados e achei aquela Janis Joplin muito, muito, muito estranha. Eu não tinha paciência pra aquela gritaria dolorida, que não me deixava muito confortável. Menos de dois anos depois eu estava pegando escondido a agenda da minha irmã para copiar as frases de Janis Joplin, Jim Morrison e Jimi Hendrix. Aprendi cantar “Mercedes Benz” num inglês mega fajuto e achava que tava arrasando. Na verdade, eu “cantava” todo o Greatest Hits e minha agenda de 2002 está praticamente coberta de trechos de suas músicas e suas frases de liberdade.

Há poucos dias, na disciplina de Estéticas da Comunicação, caiu em minhas mãos um texto intitulado “A liberdade na voz de Janis Joplin” (trecho do livro Atmosfera, ambiência, Stimmung: sobre um potencial oculto da literatura, do Gumbrecht), o qual eu deveria apresentar, e que me fez revisitar todos esses sentimentos pré-adolescentes.

Curioso que o texto fala justamente disso: da capacidade que a voz da Janis Joplin tem de nos levar para o longe do presente, incorporando uma geração. No texto, Gumbrecht comenta que a voz de Janis é “metal escuro, vibrante, cheia de dor e de esperança, tão firme que toda uma vida poderia se segurar nela”. O autor refere-se precisamente à música “Me and Bobby McGee”, e comenta que, logo após ser metal escuro, sua voz fica suave quando a memória encontra a mão de Bobby, mas depois volta a ficar tão só e cheia de felicidade perdida que desmorona para se fundir com a música. Também diz que a voz de Janis se transforma em dor – no presente, ela sonha com o passado, e que o drama de “Me and Bobby McGee” se desenvolve nas modulações e metamorfoses da voz de Joplin (por vezes, quando está de mãos dada com Bobby, sua voz é quase tímida, vem da ternura). Mesmo quem não entende inglês, entende a música, pois o sentido das palavras é secundário. E foi assim que eu entendi Janis Joplin.

Quando quer tratar especificamente dos conceitos, Gumbrecht diz que o registro de canções e da voz de Joplin mantém vivo o stimmung existencial da juventude que passou – algo que é condensado nos versos “freedom’s just another word for nothing left to lose” e “I’d trade all of my tomorrows for one single yesterday”. Na voz da intérprete, recordamos uma liberdade que não sentimos no presente do passado. Além disso, ter sido gravada pouco antes de sua morte confere à voz, assim como às atmosferas e aos ambientes que evoca, uma autenticidade que nos agarra – uma autenticidade diante do rosto da morte.

Enfim, deixo abaixo uma imagem de um trecho do texto. 44 anos sem Janis Joplin e mesmo assim sua voz continua a nos agarrar.

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