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O Skank passou com sua Turnê de Despedida por Porto Alegre nos últimos dias 01 e 02 de abril. Em duas noites, a banda levou ao auditório Araújo Vianna mais de 8 mil pessoas que desejavam se despedir do grupo que tem um dos históricos mais longevos de sucesso comercial no país.

A banda passou por seus principais discos e tocou nada menos que 26 músicas por noite. Fico aqui olhando o setlist e pensando que não deve ser fácil encaixar tudo o que Samuel Rosa (voz e guitarra), Lelo Zanetti (baixo), Haroldo Ferretti (bateria) e Henrique Portugal (teclados) gravaram nas últimas três décadas. Foi literalmente uma coletânea de sucessos, para ninguém colocar defeito. Intercalando muito pop, ska, rock e reggae – e fazendo jus às misturas que foram inseridas na indústria fonográfica por muitas das bandas que surgiram no cenário dos anos 1990 –, faixas como “Dois Rios”, “Amores Imperfeitos”, “Pacato Cidadão”, “Três Lados”, “Vou Deixar”, “Jackie Tequila”, “Te Ver”, “Ainda Gosto Dela”, “Esmola”, “É Uma Partida de Futebol”, “Balada do Amor Inabalável” e “Garota Nacional” estavam entre as preferidas da galera.

Foto: Carol Govari

“Garota Nacional”, inclusive, deu aquele ‘clic’ que todo mundo tem, durante um show, que te transporta imediatamente para outro lugar. No meu caso, curiosamente me levou para o primeiro show que eu vi da banda, em 1997, aos nove anos de idade. Lembro que O Samba Poconé era um dos CDs mais ouvidos na minha casa, e consequentemente se fixou no Top 5 da minha infância. Estávamos em Porto Alegre, pouco antes de ir ao Planeta Atlântida, e minha irmã andava de loja em loja em busca de um “vestidinho preto indefectível”. E ela achou o dito vestidinho preto indefectível. Se não me falha a memória, ela não usou para ir ao Planeta, mas ele aparece em várias fotos das férias escolares daquele verão.

Voltando ao presente, a Turnê de Despedida do Skank não tem nenhum clima de declínio que poderíamos sentir em uma despedida; muito pelo contrário: é visivelmente uma celebração, com toda a energia possível, aos mais de 30 anos de estrada. Foi um show extremamente coerente à energia que a banda sempre transmitiu aos fãs. Inclusive, Samuel Rosa estava tão emocionado de ver o Araújo Vianna lotado daquela forma que garantiu que a banda volta a Porto Alegre antes de encerrar definitivamente suas atividades. Eu que não sou boba de perder essa Turnê de Despedida pt.2.

Eles mesmos cantam: “a vida é uma mala pronta pra viagem”. Nesse caso, a viagem foi de volta à cidade natal, 23 anos após o nascimento do grupo. Foi em 1999, em uma loja no centro histórico de Porto Alegre, que Beto Bruno e Marcelo Gross decidiram montar uma banda. Precisavam de um baterista para fazer o primeiro show, em Sapucaia, na região metropolitana de Porto Alegre. Chamaram um cara que andava sempre pela respectiva loja onde eles trabalhavam: Gabriel Boizinho. A caminho do estúdio para a gravação da primeira demo, encontraram, no Bambus (sim, o mesmo Bambus que Titi Müller e Lucas Silveira falaram, ontem, pouco antes da Fresno subir ao palco do Lollapalooza) um cara que havia se mudado pra Porto Alegre em 1998: Pedro Pelotas. Pedro gravou o piano em “Lili” e, de lá pra cá, muita, muita história aconteceu. E foi um pouco dessa história que vimos no palco do auditório Araújo Vianna no último sábado, dia 26, em comemoração aos 250 anos da capital gaúcha.   

A separação de quase três anos não foi suficiente para acabar com a sintonia que os integrantes da Cachorro Grande exibem quando estão no palco. Digo mais: aparentemente, a separação fez com que eles reativassem o entusiasmo e a alegria que eu não presenciei nos últimos anos de estrada. Beto Bruno, Marcelo Gross, Pedro Pelotas, Gabriel Boizinho e Eduardo Barreto (que substituiu Rodolfo Coruja, no baixo) tocaram nada menos que 22 músicas, passando por quase todos os discos de estúdio da carreira.

“Lunático”, “Hey, Amigo!”, “Que Loucura”, “Dia Perfeito”, Sexperienced”, “Bom Brasileiro”, “As Próximas Horas Serão Muito Boas”, “Sinceramente”, “Velha Amiga”, “Debaixo do Chapéu”, “Vai T Q Dá”, “Desentoa” e, óbvio, “Você Não Sabe o Que Perdeu”, foram entoadas por um público eufórico e saudoso. A banda, literalmente em casa, conversou com a plateia o tempo todo, mostrando-se totalmente à vontade – e com vontade – de estar ali. Durante duas horas, um espetáculo digno de ficar para sempre na memória e na história dos shows que ocorreram no auditório, quiçá na cidade (ou no MUNDO!, como tudo que acontece em Porto Alegre, mas eu sou suspeita para falar sobre isso, então procurem uma fonte mais confiável).

Eu não sei o que vai acontecer daqui para a frente; se a Cachorro Grande vai voltar a se reunir, ou se nunca mais tocará junto. Única coisa que eu sei é que aquela banda mod-punk-garagem-psicodélica, que no final dos anos 90 andava pela esquina da Barros Cassal com a Independência alimentando o sonho de viver de música, deu para Porto Alegre uma baita de uma festa de aniversário.

Faz muito tempo que o rock deixou de se restringir exclusivamente à sua má fama: drogas, farra, sexo e amnésia. E mais: não se restringe à péssima fama reacionária que se instalou por aí. O rock foi amplificado e virou adjetivo. Não é só um gênero musical, não simboliza tão-somente melodias específicas, cortes de cabelo, vestuário e hábitos lidos como toscos. Rock é liberdade – Raul Seixas já havia nos orientado sobre isso no thelêmico refrão “faz o que tu queres, pois é tudo da lei”. O rock, primo-irmão do blues, não se acomoda prontamente dentro de nós. Ele não é indulgente. O rock é assimilado através da pele. Atiça-excita-bagunça e provoca reações físicas diversas. Desperta um bicho-tarado-faminto, um profanador, um subversivo.

Foto: Gabriela Baum (Amora Imagem)

Na noite de 17 de fevereiro, quinta-feira passada, Pitty fez um show de rock no Araújo Vianna. O primeiro dela no auditório, e o segundo após a encenação do fim do mundo. Um público saudoso a recebeu sob fortes gritos e aplausos, e o show se desenrolou da melhor – e mais pesada – forma possível noite adentro.

Matriz 3.0 é um show urgente. Embora ainda exista uma inevitável hesitação em todos nós, o vigor da presença física escancara que Pitty, Martin, Daniel e Kishimoto saíram do isolamento com gana, tesão, pressa e prontos para o palco. Martin até comentou em uma rede social que é como andar de bicicleta. Nesse caso, sem rodinhas. Pitty as tirou há muito tempo. Mesmo após dois anos sem tocar em Porto Alegre, a artista segue tendo o público na palma da mão. Pitty conduz, envolve, diverte e se diverte, até quando o PA morre em consequência de uma versão de “Watermelon Sugar”, do Harry Styles.

Em um momento em que estamos saindo de tempos gélidos e isolados, Matriz 3.0 celebra o lado quente da vida – inclusive em suas cores incendiárias, pendendo especialmente para o vermelho: sangue, veias, coração, pimenta, calor, sedução, vinho, cereja, morango, melancia. Vermelho, a cor que pulsa. E são os pulsantes que fazem a diferença. Watermelon sugar high total.

“Tempo de Brincar”, “Diamante” e “Na Pele” (com uma emocionante homenagem à eterna Elza Soares), embora sonoramente muito diferentes – ou talvez exatamente por isso –, reforçam aquilo que a gente sabe, mas que volta e meia alguém choraminga: sim, a Pitty ainda é rock. Pasmem. Pitty é roqueira pra caralho cantando música pop. Roqueira pra caralho cantando rocksteady. Roqueira pra caralho se misturar samba com jazz – ou com o que ela quiser. Ser roqueira, nesse caso, é assumir um compromisso não necessariamente com o gênero musical, mas em aceitar – e buscar! – mudanças, abdicando de uma comodidade musical, com autoconfiança para ser quem verdadeiramente ela quer ser naquele momento, esteja no palco ou não, no estúdio ou não, com público ou não. Rock pra caralho.

Exagero? Pode ser. Mas sabem como é: quando o assunto é show de rock, eu não me economizo.