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Bruna Molena@moleeena

Uma cidade interiorana com menos de 30 mil habitantes, essa é Frederico Westphalen. Há exatos 433 km da capital Porto Alegre, Frederico encontra-se isolada no mapa. Longe de grandes centros e, consequentemente, longe de grandes gravadoras, estúdios e alternativas de público. Mas o que isso tem a ver com o The Backstage? Tudo! Se não há público consumidor, de que adianta produzir?

O público prestigia uma banda local em um dos poucos eventos voltados ao rock em Frederico Westphalen (Foto: Bruna Molena)

As bandas de rock locais enfrentam um sério problema: falta de espaço no mercado. E não digo que isso é recente, pois em cidades pequenas aquelas nunca ocuparam o nicho central, porém, desde que o sertanejo universitário conseguiu instaurar seu monopólio nas gravadoras e rádios, o espaço do rock, que já era pequeno, praticamente sumiu. Arnaldo Requia, comunicador da rádio Atlântida de Santa Maria nos conta que em cidades de maior porte a situação é muito diferente:

– Na programação da Atlântida não rola sertanejo universitário. Simples assim, é uma decisão que vem de cima. O problema é o cenário da noite, as casas noturnas são as grandes “aliadas” desse nicho musical. Se o sertanejo hoje é forte, não é por causa de rádios FM jovens como Atlântida, Pop Rock e Jovem Pan, que são as maiores no RS, mas sim pelos eventos em que tocam esse estilo musical – comenta o radialista, que já morou em Frederico Westphalen e conhece a situação local.

Ele explica que há, sim, espaço nas rádios para bandas de rock que estão começando agora, porém eles seguem um critério muito especifico em sua emissora: ter a sede/origem na região de cobertura da emissora, portanto não adianta uma banda de Frederico Westphalen querer tocar na Atlântida de lá. E é aí que, mais uma vez, as bandas perdem a chance de ter alguém para conferir seu talento, pois, como disse o jornalista Arnaldo, essa situação é a realidade da rede Atlântida, nas rádios locais frederiquenses  é bem diferente.

“Ainda há espaço para o rock nas rádios. É menor que os anos 80, mas o rock é bem vindo. Mas a verdade é: existe uma carência de boas bandas de rock”

Cada vez mais surgem bandas novas em Frederico Westphalen e na região, mas, na contramão, brotam duplas sertanejas de diversos lugares do país que tomam o espaço de bandas de qualidade que tinham grande chance de ter um futuro no mercado musical. Um exemplo entre as inúmeras bandas de rock que nadam contra a corrente e lutam para abrir seu caminho entre botinas e chapéus é a Muhamba Aly, de Ametista do Sul, cidade próxima a Frederico Westphalen. Formada por Gianni no vocal, Pedro Jorge no baixo, Neny na guitarra e Rafael na bateria, é nova na estrada ainda, porém está aí para mostrar o que sabem e gostam de fazer. Conversamos com o baixista, Pedro Jorge, sobre a Muhamba Aly. Nesta conversa, ele contou quais dificuldades que enfrentam no início da carreira e o que os motiva a continuar.

Os quatro integrantes da Muhamba Aly no Motoseb, em Seberi - RS (Foto: arquivo pessoal)

The Backstage: Como a banda foi criada? Começou na brincadeira, em uma garagem ou vocês já pensavam em tocar para valer, trabalhar com isso?

Muhamba Aly: A banda no começo era formada por mim, o Rafael e o Gianni, nós tocávamos em casa, na brincadeira, nada muito sério. Em 2010 eu e o Rafa fomos convidados para tocar uma música de entrada na festa de 15 anos de uma amiga nossa, e o Nenny que ia tocar guitarra e cantar. Conhecemos o Nenny pelo Orkut, nos comunicamos para ver o que iríamos tocar. No dia da festa começamos a ensaiar a música e tocar outras para descontrair e acabou que nosso estilo de som era o mesmo e sabíamos quase as mesmas músicas. Um cara que estava lá curtiu nosso som e nos convidou para tocar no Motoseb, um encontro de motos que aconteceem Seberi. Isso foi uns dois meses antes do evento, mas nós não tínhamos um vocal, então aproveitamos a oportunidade e convidamos o nosso amigo Gianni que fazia parte da brincadeira antes. Ensaiamos umas duas vezes para tocar nesse encontro de motos. Escolhemos o repertório e fomos tocar. Me lembro que tinha pouca gente nos vendo tocar, o som estava horrível, muitas bandas haviam desistido de tocar naquele dia, mas como era nossa primeira vez, grudamos fogo! Foi legal pra nós, nos empolgou.

Depois disso começamos a ensaiar seguido e ir atrás de lugares para tocar, aí surgiu a idéia do Opus 10 Pub Hall, de Frederico Westphalen. Preparamos cinco músicas apenas pra demonstração do som da banda, já que era noite de Palco Aberto. A galera curtiu tanto que acabamos tocando duas horas com as músicas que tínhamos preparado caso isso acontecesse! Na semana seguinte fomos convidados para tocar de novo, rolando um cachê bom. Depois disso começamos a ensaiar seguido e ir atrás de lugares para tocar. No fim, acabou dando certo e o nome da banda continuou psicodélico como sempre: Muhamba Aly.

TB: Quais são as influências de vocês? Quem lhes inspira o rock’n roll?

MA: Nossa inspiração vem do rock gaúcho: Cascavelltes e etc. e também do rock’n’roll clássico americano e britânico: Beatles, Jimmy Hendrix, Led Zeppelin, The Doors, Creedence, Who, etc.

TB: Como é a rotina de ensaios da banda? E o set list, como vocês definem?

MA: Entre “morguiadeiras” rola algum ensaio… nosso repertório vem de cada um, quando um resolve de tocar um som, nós analisamos e se for do caralho nós colocamos na lista, sempre colocando algumas de nossas composições.

TB: A realidade que vemos em Frederico é que bandas de rock locais têm pouquíssimo espaço, principalmente depois dessa “invasão” do sertanejo universitário. Há muitas bandas e público para elas, porém poucos que invistam nesse nicho. Como é em Ametista? Também há esse “monopólio” do sertanejo que acaba excluindo os que não entram na dança?

MA: Sim, nós resolvemos correr da nossa cidade, lá a gente é bem excluído, nunca rolou muito rock’n’roll, ainda mais com essa invasão do sertanejo universitário…

A banda durante apresentação no Opus 10 Hall Pub (Foto: arquivo pessoal)

TB: Começar uma banda de rock não deve ser fácil, quais foram as maiores dificuldades que vocês enfrentaram?

MA: Era não ter em que ensaiar no começo, era tudo velho ou emprestado. O pessoal nos olhava e dizia: não vou emprestar pra esses guris de merda, não costumam cuidar das coisas! (risos). E ainda é difícil pra nos não ter onde gravar: ou é caro ou longe. Aí acabamos não tendo um material bom para mostrar o que a gente faz. Nossos vídeos são gravados com as piores câmeras possíveis, resultando em uma má qualidade.

TB: E mesmo com todas essas dificuldades que vocês tiveram no começo nos ensaios e agora, pela falta de espaço da cidade que vieram, o que faz o rock ainda valer a pena?

MA: Eu acho porque nós fomos criados escutando rock, sempre tivemos influências de familiares também, que mostraram coisas boas. Isso fez que nós nos criássemos escutando rock, gostando mais do que qualquer outro gênero musical. Lembro do meu pai sempre cantando e assoviando músicas do Raul Seixas, é de berço! (risos) Foi a nossa criação, por isso vale a pena, fazer o que gostamos mesmo, não se deixar levar pela moda de hoje, o sertanejo.

TB: Vocês já tocaram algumas vezes aqui em Frederico, é um objetivo expandir as apresentações para a região? Como é a recepção do público fora da cidade de vocês?

MA: Claro, nossa vontade é tocar em toda região,em todo Rio Grande do Sul e  Brasil! (risos) A gente gosta muito do que faz, o público sempre nos elogia, dizendo que agitamos muitos, fazemos a galera vibrar com as músicas. E isso dá cada vez mais vontade de tocar pra fora, mostrar o que a gente sabe mesmo fazer.

TB: Quais são os futuros planos da banda?

MA: Uma Limusine! (risos) Em primeiro momento, gravar nossas composições e seguir fazendo a única coisa que fazemos bem, o rock’n’roll.

Contato para shows:

Orkut  – comunidade Muhamba Aly

Natalia Nissen@_natiiiii

Para início de conversa, o termo “universitário” é usado porque os cantores desse movimento começaram suas carreiras, na maioria, cantando em bares frequentados por estudantes de ensino superior, e não falam da vida no sertão como as músicas do sertanejo de raiz. Com o passar do tempo o estilo atingiu todas as camadas da sociedade e hoje não apenas os estudantes admiram, mas também crianças e adultos.

The Backstage foi criado para expressar as opiniões das autoras e dos leitores sobre música nacional e internacional e, principalmente, o rock’n’roll e suas vertentes. No entanto, não podemos fechar os olhos diante da febre que tem sido o sertanejo universitário – e digo febre porque foi algo que surgiu repentinamente e contagiou milhares de pessoas Brasil afora.

O fenômeno da música sertaneja, Luan Santana (Foto: divulgação)

Exemplos de artistas solo e duplas de sertanejo universitário não faltam. Por mais adepto do rock’n’roll que o indivíduo possa ser, já deve ter ouvido, com certeza, o refrão de alguma canção romântico-sertaneja: “chora, me liga, implora meu beijo de novo, me pede socorro, quem sabe eu vou te salvar”. Luan Santana, João Bosco e Vinícius, Victor e Leo, e a representante feminina, Paula Fernandes, são ícones de uma geração que idolatra uma série de artistas que muitas vezes são severamente criticados por pessoas que preferem outros estilos musicais. Durante muito tempo o sertanejo foi um estilo predominante em regiões do interior do país, mas a difusão da cultura por meio da internet, rádio e televisão, contribuiu para a disseminação por todo o Brasil.

Luiza Kerber, 20 anos, faz faculdade em Rio Grande e comenta sobre a escassez de festas com estilos mais variados. O pagode e o sertanejo predominam, “o sertanejo universitário tem letras com as quais os jovens se identificam, além de ter um ritmo contagiante. Não é um estilo para escutar sempre, mas o ideal é saber aproveitar a parte boa de cada música”.

“Quem escuta sertanejo universitário tem uma cicatriz no cerebelo, você nunca mais vai se livrar dessa mazela”

No dia dois de março, Lobão, um dos mais importantes artistas do rock nacional, deu uma entrevista a uma rádio e fez declarações pejorativas a respeito dos novos ídolos jovens Fiuk, Restart, e do cantor Luan Santana. Para Lobão, quem escuta sertanejo universitário “tem uma cicatriz no cerebelo, você nunca mais vai se livrar dessa mazela”. Apelando ou não, muita gente compartilha da opinião do cantor, afinal, o tópico #falalobao foi o mais comentado do Twitter depois da divulgação da entrevista. Lobão falou aquilo que muita gente tem vontade, mas não tem oportunidade. Admiradores do bom e velho rock’n’roll tem uma certa dificuldade em entender como e por que a febre do sertanejo tem se espalhado tão rápido e contagiado as pessoas como um golpe certeiro.

Na semana passada o ECAD – órgão brasileiro responsável pela arrecadação e distribuição dos direitos autorais de músicas aos seus autores – divulgou a lista dos autores que mais receberam pelos direitos autorais no Brasil. O compositor Victor Chaves (da dupla Victor e Leo) ficou em primeiro lugar, e depois dele aparecem Sorocaba, Nando Reis, Roberto Carlos, Dorgival Dantas, Euler Coelho, Paul McCartney, Lulu Santos, Erasmo Carlos e Djavan ocupando as outras nove posições, respectivamente. Na região Sul a música sertaneja também é a que mais rende em direitos autorais: o representante do tradicionalismo, Teixeirinha, fica em 11º lugar. Renato Russo, o líder da banda Legião Urbana ocupa o último lugar da lista, 50º.

A estudante Jaqueline Vanessa da S. Domingues tem 14 anos e não gosta muito de rock, mas adora o sertanejo universitário, identifica-se com o gênero. Além da música, ela gosta dos cantores e diz: “o sertanejo universitário veio com tudo, mais romântico, agradando os jovens. Sertanejo romântico da forma como os jovens veem. Transmite palavras que preciso ouvir”.

O roqueiro Lobão alfinetou os ídolos da nova geração (Foto:divulgação)

Existem tantas bandas que passam longos anos tentando um lugar ao sol e, de repente, nos deparamos com a ascensão “meteórica” de jovens com seus violões cantando músicas que falam de amores não correspondidos e traições. Talvez mais carisma que as caras amarradas de alguns rockstars, mas, ainda, menos talento que a poesia da MPB. Mais recursos para investir em divulgação também pode contribuir para o sucesso de um artista, assim como uma marca que contrata a modelo mais bonita para estrelar as fotos da campanha. Para uma música tornar-se “a mais pedida” na rádio influente pode haver muito mais por trás da história que um público fanático e talento propriamente dito.

Mateus Zanolla Chaves é estudante de Música na UPF e, como bom entendedor do assunto, diz que a música sertaneja é simples, por isso as pessoas gostam tanto. É um som para dançar, aproveitar e não para “ouvir” e pensar a respeito, além de ser composto de versos simples e melodias clichês. “Não é ruim, só é simples. Beatles também tem seus discos simples e é a maior banda do mundo. Música não é complexidade”, finaliza Mateus.

Em Frederico Westphalen a situação não é diferente. Mesmo estando longe dos pólos da música sertaneja, os habitantes do município já demonstram afinidade com o estilo e essa característica está refletida nos eventos que as pessoas frequentam. Algumas festas e estabelecimentos têm como atração apenas, ou na maioria das vezes, o sertanejo universitário.

Site do ECAD.

Entrevista com o Lobão.