Posts Tagged ‘Emicida’

Depois de anos sem pisar em Porto Alegre, Emicida apresentou seu mais novo show, AmarElo, em duas noites de ingressos esgotados no auditório Araújo Vianna.

Em um mundo em decomposição, Emicida, durante as 3 horas do show de domingo, deixou explícito por que optou por escrever como quem manda cartas de amor.

Com contornos de comunhão, AmarElo celebra o lado bonito da vida. Isso não significa esquecer que a vida tem um lado pesado, feio, angustiante; significa que a grandeza da humanidade merece ser celebrada. E, vamos combinar, Emicida sempre foi um teimoso: desde Pra Quem Já Mordeu um Cachorro por Comida, até que Eu Cheguei Longe, o artista paulistano encucou que, através da música, ia fazer o povo sorrir. Ele sabe que o sorriso, em tempos sombrios, é um ato revolucionário e político. E é na música, através dela, que Deus, independente da religião, se faz presente. Isso me lembra daquele show de 2015, que ele fez no Opinião, onde cantávamos beeeem alto que a música é a nossa religião. Emicida também não esqueceu seus tempos de Opinião: agradeceu à equipe da produtora, dizendo que o bar não é apenas um dos mais importantes do cenário de Porto Alegre, mas do cenário brasileiro.

Foto: Vic Martins

Assim como lembrou dos tempos de Opinião, Emicida lembrou de quem veio antes dele: Wilson das Neves, Lupicínio Rodrigues, entre tantos outros. Fez uma reverência aos artistas do passado, lamentando que a indústria reserve o esquecimento para nomes tão importantes da música brasileira. Ele faz isso porque sabe que a ancestralidade é a vida enquanto possibilidade; é a reivindicação da presença como algo crível, e que combater o esquecimento é uma das principais armas contra o desencante do mundo, como nos coloca Luiz Rufino. O não esquecimento é indispensável para a invenção de novos seres, livres e combatentes de qualquer estrangulamento do poder colonial. É no não esquecimento que Emicida faz a ponte entre Wilson das Neves e Cristal (que subiu ao palco para cantar durante o bis), alarga o presente, garante a continuidade, cultiva a troca, a soma, e o passar de mãos em mãos. Afinal, o que é a música, senão a capacidade de executar o coletivo?

Essa invocação do coletivo e da ancestralidade é algo que vemos desde sempre em sua obra. Mas, agora, em AmarElo, isso vem de uma forma diferente – menos combativa, talvez, e mais em defesa da reconstrução da vida enquanto possibilidade produzida nas fissuras, nas periferias, em meio à escassez do mundo. Não à toa, foi um álbum que serviu de boia para que muita gente não se afogasse durante a pandemia. E agora, nesse retorno, Emicida faz questão de frisar que quando ele e público se encontram novamente, o coração sente, o cérebro entende, e a magia se faz. Sem o público – que canta, dança, grita, chora e tem liberdade e acolhimento para fazer até pedido de casamento no palco –, aquele show não passaria de uma passagem de som.

Com um cenário espetacular e uma banda que não tem um mísero defeito – inclusive pronta para os imprevistos, improvisos e uma hora adicional de show –, temos em AmarElo a comunhão das sonoridades das ruas nas batidas de DJ Nyack, no pop das guitarras de Michele Cordeiro, no groove do baixo de Rodrigo Santos, na bateria de Jhow Produz e na melodia dos vocais de Thiago Jamelão. Tudo isso amarrado pela percussão de Sivuca – afinal, é através dos tambores que ocorre a sacralização do corpo. Os tambores contam histórias para que os corpos respondam: essa é a importância do tambor na nossa cultura de povo, e isso Emicida vem nos contando desde Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa, quando fez a travessia para o continente africano e voltou cheio de referências para, cada vez mais, amplificar que a presença negro-africana nas bandas de cá do Atlântico é um emblema do devir-negro no mundo. E que não é por que não passamos por uma situação que deixamos de senti-la: é justamente essa capacidade que nos humaniza (e isso eu aprendi com ele lá em “Cê lá faz ideia”). 

Em uma era onde estamos destinados a absorver conteúdos instantâneos, de músicas prontas, com 15 segundos, onde poucos preparam e ninguém espera, AmarElo é um show que burla o algoritmo. Que golpeia a lógica dominante, que recria mundos e nos encanta das mais variadas formas. Por isso e por tantos outros sentimentos que extrapolam este texto que AmarElo extravasou as paredes do disco voador que é o Araújo Vianna e, somente às 22h46min, quando evocou “Trem das Onze”, que nos despedimos da memorável noite de 2 de abril.

E eu mal posso esperar pelo próximo encontro com Emicida.

Outras fotos do show (todas por Vic Martins):

Emicida volta a Porto Alegre na semana que vem, nos dias 1 e 2 de abril, para apresentar o espetáculo “AmarElo” no Araújo Vianna. O show conta com canções do álbum, como a faixa-título e “Quem Tem Um Amigo (Tem Tudo)”, intercaladas com sucessos que marcaram a carreira do cantor. Os ingressos para o dia 2 estão disponíveis na Sympla.

SOBRE O PROJETO

Para um mundo em decomposição, Emicida optou por escrever como quem manda cartas de amor. O resultado desse exercício é o novo projeto de estúdio do rapper paulista, AmarElo, em que ele propõe um olhar sobre a grandeza da humanidade. Agora, o artista leva este trabalho para os palcos. O show tem se revelado uma grande experiência, uma celebração com contornos de comunhão. No repertório as novas canções, como a faixa-título e “Eminência Parda”, além de músicas que marcaram a sua carreira.

O encontro do repertório de AmarElo com o público foi abreviado por conta da pandemia. Durante o período em que Emicida esteve longe dos palcos, as músicas do trabalho ganharam uma outra dimensão, se tornando ferramenta de cura, companhia e esperança para muitas pessoas. Com a retomada dos shows, uma nova camada do experimento social e da relação dos fãs com o artista e com aquelas canções foram criadas. Depois de ter passado por várias capitais do Brasil e do mundo com ingressos esgotados e pelo palco de importantes festivais, o rapper paulistano chega, finalmente, a Porto Alegre com a experiência completa do show de AmarElo. 

“Durante a pandemia, AmarElo fez parte da vida de muita gente e fico imensamente feliz por eu poder ser um instrumento da música por onde algo bom pode fluir”, comenta Emicida. “O abraço que a gente não pode se dar por tanto tempo, finalmente tem data para acontecer”, ele complementa.

O espetáculo de AmarElo traz — por meio do seu setlist e de sua cenografia e telões — memórias do que foi o show histórico de lançamento do mesmo no Theatro Municipal de São Paulo. Canções do álbum, como a faixa-título, “Ismália” e “Quem Tem Um Amigo (Tem Tudo)”, conduzem uma experiência de celebração coletiva, que ganha momentos ainda mais potentes quando intercaladas com faixas que marcaram a carreira de Emicida. 

“Desde que iniciamos essa turnê, o espetáculo evoluiu bastante e vai ser especial chegar com ele em Porto Alegre”, entrega Emicida.

SOBRE O ARTISTA

Emicida nasceu em 1985, em São Paulo, onde vive e exerce a sua arte. Desde que lançou a sua primeira mixtape, “Pra Quem Já Mordeu um Cachorro por Comida, até que Eu Cheguei Longe…”  (2009), o rapper construiu uma trajetória que foi conduzida como um experimento social. Assim, não limitou a sua criação à música. Por meio da Laboratório Fantasma, empresa que surgiu para gerenciar a sua carreira, mas que hoje atua como plataforma de entretenimento e de conteúdo transformador, ele deixa a sua marca na música, na moda, na literatura, na sociedade e em todo projeto a qual se dedica. Rapper, escritor, empresário, apresentador e pensador contemporâneo, Emicida tem dois livros infantis lançados “Amoras” (2018) e “E Foi Assim Que Eu e a Escuridão Ficamos Amigas” (2020), além de uma antologia que celebra os 10 anos da sua primeira mixtape. Fez história nos três desfiles que realizou na SPFW, principal semana de moda do Brasil, levando representatividade para passarela. Nos seus trabalhos musicais, ele acumula parcerias com Caetano Veloso, Wilson das Neves, Zeca Pagodinho, Vanessa da Mata, Pabllo Vittar, entre outros nomes. A discografia de Emicida lista ainda a mixtape “Emicídio” (2010), os EPs “Sua Mina Ouve Meu Rep Tamem” (2010), “Doozicabraba e a Revolução Silenciosa” (2011) e os discos “O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui” (2013), “Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa” (2015) e “AmarElo” (2019). Este último, inclusive, ganhou o Grammy Latino na categoria Melhor Álbum de rock ou Música Alternativa em Língua Portuguesa e o elevou ao panteão da música brasileira. AmarElo também marcou história pelo seu show de lançamento ter acontecido no Theatro Municipal de São Paulo. A apresentação serviu de fio condutor para o celebrado documentário AmarElo – É Tudo Pra Ontem, disponível na Netflix, além de ter chegado nos aplicativos de áudio.

SERVIÇO

Onde:
Auditório Araújo Vianna (Avenida Osvaldo Aranha, 685)

Quando:
01 de abril de 2023, sábado, às 21h (esgotado)

02 de abril de 2023, domingo, às 20h

Abertura da casa:
19h30

Classificação:
16 anos

Realização: Opinião Produtora

Pontos de venda:

Bilheteria oficial (sem taxa de conveniência – somente em dinheiro):

Loja Planeta Surf Bourbon Wallig (Av. Assis Brasil, 2611 – Loja 249 – Jardim Lindóia – Porto Alegre)
Horário funcionamento: das 10h às 22h.

Bilheteria Araújo Vianna (sem taxa de conveniência – em dinheiro e cartão à vista):
Aberta somente no dia do evento 2 horas antes do início dos shows.
Av. Osvaldo Aranha, 685 – Bairro Bom Fim

Demais pontos de venda (sujeito à cobrança de taxa de conveniência):
Online: www.sympla.com.br/araujovianna

Informações:

www.araujoviannaoficial.com.br
www.facebook.com/araujoviannaoficial
www.twitter.com/araujovianna_

(51) 3211-2838

Fonte: Daniela Sangalli
Assessora de Imprensa – Opinião Produtora
imprensa@opiniao.com.br

Acho que o Emicida foi o primeiro rapper nacional por quem eu realmente me interessei. Lembro de ter achado ele massa na premiação do VMB, em 2011, mas o que realmente me pegou foi O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui. Fiquei comovida a cada rima, a cada estrofe, a cada batida; daí pra frente, foi garimpar as mixtapes anteriores na internet e minha forma de ver a vida mudou.

2

Emicida lotou o Opinião em show de lançamento do novo disco (Foto: Carol G. Nunes)

Em 2015, outro disco sensacional (pra mim, um do melhores do ano): Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa. Que pedrada. Que coisa sensacional essa junção dos tambores africanos com as batidas do rap. E foi esse disco que trouxe Emicida a Porto Alegre na última quinta-feira, dia 12, para um show emocionante e de renovar as energias. Um Opinião lotado aguardava o rapper, que foi ovacionado assim apareceu no palco.

Em momento algum Emicida me parece um artista solo: sua banda (que banda!) é extremamente participativa, dançando (inclusive no centro do palco, ao som do DJ Nyack), sorrindo e interagindo uns com os outros e com o público. É lindo. O show foi catártico, principalmente em músicas como 8, Boa Esperança, Bang!, Levanta e Anda, Hoje Cedo e Mandume. Teve também Cartola, trechos de poesia (que eu adoraria lembrar de quem era), Marinheiro Só na palma da mão, muita rima e muita conversa.

Emicida falou da necessidade de dialogar mais – sair das redes sociais, olhar no olho das pessoas. Antes de Mãe, aquela música que é quase impossível não chorar, falou que se tu não respeita a tua mãe, tu não respeita nem a ti mesmo. Comentou sobre o show ser no dia mundial do hip hop, lembrou dos que morreram pra eles estarem ali fazendo som, e também lembrou da galera que fala que o rap se vendeu, que o rap agora aparece na TV, mas que ninguém foi na favela, há 20 anos, perguntar como eles estavam (além disso, os que criticam e não querem dinheiro “é porque nunca viu a barriga roncar mais alto do que ‘eu te amo’”, não é mesmo?).

Ainda hoje, ao comentar que eu gosto do Emicida, algumas pessoas falam: “como tu se identifica tanto se não faz ideia do que ele está cantando?”. De fato, eu não faço ideia. Não faço ideia do que é ver um vidro subir ou alguém correr quando me vê, não faço ideia do que é passar fome, não faço ideia de como é crescer onde nem erva daninha vinga. Sou branca, classe-média, estudei em escola particular e entrei numa universidade pública porque fiz cursinho (o cursinho é a minha cota). Emicida elucida inúmeras questões sobre preconceito racial, inclusive na faculdade (em que não pode por os pés). É preciso que isso seja falado. É preciso que a gente pare de mascarar o racismo. É preciso que a gente assuma que, sim, brancos têm mais oportunidades. E tudo isso que ele canta faz com o meu peito seja preenchido por um calor absurdo, meus pelos se arrepiem e eu sinta vontade de chorar a cada história contada em suas músicas. Música desperta, música emociona, música aproxima; música é a minha – a nossa – religião.

1

Durante todo o show, entre as músicas, Emicida conversou com o público (Foto: Carol G. Nunes)

Acho que a música proporciona um exercício de alteridade extraordinário e necessário – de tu se colocar no lugar do outro, de aprender com a diferença e respeitar essas diferenças – afinal, eu só existo através do contato com o outro. Além disso, “eu sou porque nós somos”, a tal filosofia africana Ubuntu (que fala da capacidade humana de compreender, aceitar e tratar bem o outro, ser generoso, solidário, ter compaixão), que eu fui pesquisar por causa de algum tweet do Emicida.

Rappin Hodd, Racionais Mcs, Sabotage, Sistema Negro, Xis, Criolo, Emicida (só para citar alguns); todos falam de coisas que não faço ideia, todos despertam em mim um desejo sincero de harmonia e igualdade entre os seres humanos.

———–

Isso era pra ser uma resenha do show do Emicida, mas acabou desviando do rumo inicial e indo pra longe. Falando nisso, pra quem já mordeu um cachorro por comida, acredito que o Emicida ainda vai chegar muito, muito mais longe.

———–

Aqui também tem o vídeo de Passarinhos, gravado especialmente pro meu sobrinho Bernardo, de 11 meses, que é viciado nessa música. Tentei todas as canções de ninar, inclusive os rockabye baby, mas o guri prefere rap nacional, vou fazer o quê?