Acho que o Emicida foi o primeiro rapper nacional por quem eu realmente me interessei. Lembro de ter achado ele massa na premiação do VMB, em 2011, mas o que realmente me pegou foi O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui. Fiquei comovida a cada rima, a cada estrofe, a cada batida; daí pra frente, foi garimpar as mixtapes anteriores na internet e minha forma de ver a vida mudou.
Em 2015, outro disco sensacional (pra mim, um do melhores do ano): Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa. Que pedrada. Que coisa sensacional essa junção dos tambores africanos com as batidas do rap. E foi esse disco que trouxe Emicida a Porto Alegre na última quinta-feira, dia 12, para um show emocionante e de renovar as energias. Um Opinião lotado aguardava o rapper, que foi ovacionado assim apareceu no palco.
Em momento algum Emicida me parece um artista solo: sua banda (que banda!) é extremamente participativa, dançando (inclusive no centro do palco, ao som do DJ Nyack), sorrindo e interagindo uns com os outros e com o público. É lindo. O show foi catártico, principalmente em músicas como 8, Boa Esperança, Bang!, Levanta e Anda, Hoje Cedo e Mandume. Teve também Cartola, trechos de poesia (que eu adoraria lembrar de quem era), Marinheiro Só na palma da mão, muita rima e muita conversa.
Emicida falou da necessidade de dialogar mais – sair das redes sociais, olhar no olho das pessoas. Antes de Mãe, aquela música que é quase impossível não chorar, falou que se tu não respeita a tua mãe, tu não respeita nem a ti mesmo. Comentou sobre o show ser no dia mundial do hip hop, lembrou dos que morreram pra eles estarem ali fazendo som, e também lembrou da galera que fala que o rap se vendeu, que o rap agora aparece na TV, mas que ninguém foi na favela, há 20 anos, perguntar como eles estavam (além disso, os que criticam e não querem dinheiro “é porque nunca viu a barriga roncar mais alto do que ‘eu te amo’”, não é mesmo?).
Ainda hoje, ao comentar que eu gosto do Emicida, algumas pessoas falam: “como tu se identifica tanto se não faz ideia do que ele está cantando?”. De fato, eu não faço ideia. Não faço ideia do que é ver um vidro subir ou alguém correr quando me vê, não faço ideia do que é passar fome, não faço ideia de como é crescer onde nem erva daninha vinga. Sou branca, classe-média, estudei em escola particular e entrei numa universidade pública porque fiz cursinho (o cursinho é a minha cota). Emicida elucida inúmeras questões sobre preconceito racial, inclusive na faculdade (em que não pode por os pés). É preciso que isso seja falado. É preciso que a gente pare de mascarar o racismo. É preciso que a gente assuma que, sim, brancos têm mais oportunidades. E tudo isso que ele canta faz com o meu peito seja preenchido por um calor absurdo, meus pelos se arrepiem e eu sinta vontade de chorar a cada história contada em suas músicas. Música desperta, música emociona, música aproxima; música é a minha – a nossa – religião.
Acho que a música proporciona um exercício de alteridade extraordinário e necessário – de tu se colocar no lugar do outro, de aprender com a diferença e respeitar essas diferenças – afinal, eu só existo através do contato com o outro. Além disso, “eu sou porque nós somos”, a tal filosofia africana Ubuntu (que fala da capacidade humana de compreender, aceitar e tratar bem o outro, ser generoso, solidário, ter compaixão), que eu fui pesquisar por causa de algum tweet do Emicida.
Rappin Hodd, Racionais Mcs, Sabotage, Sistema Negro, Xis, Criolo, Emicida (só para citar alguns); todos falam de coisas que não faço ideia, todos despertam em mim um desejo sincero de harmonia e igualdade entre os seres humanos.
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Isso era pra ser uma resenha do show do Emicida, mas acabou desviando do rumo inicial e indo pra longe. Falando nisso, pra quem já mordeu um cachorro por comida, acredito que o Emicida ainda vai chegar muito, muito mais longe.
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Aqui também tem o vídeo de Passarinhos, gravado especialmente pro meu sobrinho Bernardo, de 11 meses, que é viciado nessa música. Tentei todas as canções de ninar, inclusive os rockabye baby, mas o guri prefere rap nacional, vou fazer o quê?
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