Carol Govari Nunes – @carolgnunes
Eles tinham ótimo primeiro disco, um amadurecimento nos discos seguintes, estavam prestes a debutar na estrada e tinham uma marca registrada. Quando tudo se solidificou, eles resolveram quebrar a casca e se libertar. Foi mais ou menos assim que Beto Bruno me falou sobre o “Costa do Marfim”, disco novo da Cachorro Grande, num boteco próximo ao Opinião, poucas horas do show de lançamento, dia 9.
Entre um tampico e um suco de uva, Beto falou da necessidade que a banda sentiu em sair do fácil, do cômodo, do sucesso certeiro. Disse que estavam cansados de fazer cover deles mesmos e é enfático quando comenta que a paixão deles é por fazer música, e não sucesso. Mesmo com o jogo ganho (o público conhecendo todas as músicas, turnês bem sucedidas etc), mesmo com tudo lindo, eles se sentiam musicalmente amarrados – daí o lance de quebrar a casca, de se libertar. Inclusive, acho que a palavra “libertador” foi uma das mais usadas pelo vocalista. Dividido entre o cansaço da agenda lotada de entrevistas (mais de 89 (!) desde o lançamento do disco) e a ansiedade pelo show da noite, Beto comentou que o tesão por fazer shows voltou. Não só nele, mas em todos os músicos, e isso era absolutamente visível durante a montagem de palco e a passagem de som.
Quando conversamos sobre a influência de Edu K no produto final, Beto diz que “Edu é do mundo”, por isso o chamaram para a produção do disco. Além de ser um sonho antigo em trabalhar com o líder do Defalla, a banda sabia que Edu seria crucial para a mudança da sonoridade da banda. “Nada no Rio Grande do Sul (e nem no Brasil) se parece com o Edu K”, comenta Beto, pouco antes de sermos interrompidos para ele tirar uma foto com um fã.
Continuamos num papo que vocês já devem ter lido por aí: que eles criaram tudo na hora, que não ensaiaram antes de gravar o disco, que é o disco mais experimental, que o Edu K fez eles pensarem um jeito diferente de fazer música. O que talvez vocês não tenham lido por aí é sobre a dificuldade de chegar onde a banda chegou. Quer dizer, chegar é fácil, o problema é se manter. E a Cachorro Grande, mesmo sem ter tido muito apoio da mídia no começo, tem se mantido firme desde então. Mas essa segurança não impediu a mudança sonora e estética da banda – quando falo em estética, penso (e Beto confirma) que não adiantava mudar o som e eles aparecerem de terninho, por exemplo. E também não adiantava continuar fazendo sucesso e eles se sentindo musicalmente estagnados. E, por mais a vida de estrada pareça “rock’n’roll all night and party every day”, Beto fala com muita seriedade da ideologia da banda, do trabalho duro de fazer um disco melhor que o outro, um show melhor que o outro, de se reciclar.
Quando somos interrompidos novamente para Beto tirar outra foto com duas fãs, ele diz que eu sou sua fotógrafa particular e que acabei de chegar da França. E foi assim que, por ora, terminamos um papo confortável sobre a cena local, a dificuldade do começo, o trabalho da banda, alucinações da vida y otras cositas más.

A banda interagiu com o público durante todo o tempo. Beto Bruno dedicou o show ao seu pai, Bocajão, falecido recentemente (Foto: Carol Govari Nunes)
Costa do Marfim, o show
Um público por volta de 980 pessoas aguardava ansiosamente por Beto, Gross, Pelotas, Coruja e Boizinho. Dividido em dois atos (o primeiro com as músicas do disco novo; o segundo com o “baile dos Cachorro Grande”), o show foi alucinante. As músicas novas foram executadas perfeitamente, e abrir com “Nuvens de fumaça” foi uma ótima escolha. Quem estava no meio do público era Edu K. Me arrisco a dizer que ele era um dos mais emocionados de todos que estavam ali. Também, pudera. Beto comentou, durante a tarde, que Edu não foi só um produtor, mas um integrante da banda, contribuiu em absolutamente tudo que estava no disco – as músicas que estavam sendo tocadas também eram dele.
O show seguiu com “Eu não vou mudar”, “Como era bom”, “Crispian Mills”, “Use o assento para flutuar”, “Eu quis jogar” e “O que vai ser”, e, mesmo sabendo que esse era todo o Ato 1, confesso que fiquei esperando mais músicas do disco novo. Desde que foi lançado, não ouço outra coisa senão o Costa do Marfim. E ver todo esse disco no palco deve ser a vontade de muita gente. Entretanto, preciso ser coerente e dizer que o Ato 2, para o público, em geral, foi o mais animado do show. Na verdade, são duas situações completamente diferentes: o Ato 1 é um desfrute sensorial, são várias texturas, somos jogados para dentro do (baita) telão e suas imagens psicodélicas, as músicas são tocadas em cima de uma base, é outro clima. O Ato 2 é um show pra fora, animadão. Mesmo que eu esteja total na vibe Costa do Marfim, entendo que foram as músicas “Lunático”, “Hey amigo”, “Deixa fuder”, “Bom brasileiro”, “A hora do Brasil”, “Roda gigante”, “Que loucura”, “Dia perfeito”, “Sinceramente”, “Velha amiga” e “Você não sabe o que perdeu” que levaram todos à loucura (externa).
Quem subiu para cantar “Helter Skelter” junto com a banda foi Edu K. “Subiu” foi um jeito educado de dizer que ele entrou correndo, arrancando o microfone do pedestal do Coruja (consequentemente perdendo o cabo do microfone, ou seja, começou a cantar sem sair som) e praticamente se jogando em cima do Beto Bruno. Foi um final catártico para todos, com direito a beijos na boca e bateria destruída no palco. E isso é tudo que eu me permito escrever – só quem estava lá é que sabe.
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Nos dias 17 e 18 será a vez de São Paulo conhecer o Costa do Marfim. Uma boa viagem a todos.