Estava eu lá, parada, de braços cruzados, perto do PA. Vestia calça jeans, jaqueta de couro fechada até o pescoço, e coturno. Uma guria se aproxima e pergunta:
– “Moça, eu posso fumar aqui dentro?”
– “Não. Tu pode fumar lá, ó”, e aponto para o espaço onde era permitido fumar.
– “Ah, muito obrigada”.
Passa alguns minutos, eu penso: ok, ela queria uma informação. Mas por que ela perguntou pra mim, se ao meu lado havia três seguranças? Será que ela pensou que eu também era segurança?
Corta para bem antes desse momento.
Eu sempre existi a partir do rock. Fuçando nas minhas mais antigas memórias, lembro de que por mais que eu escutasse outros gêneros musicais, foi no rock que encontrei energia e outros subsídios para demarcar minha(s) identidade(s). Mas por mais que meu eu seja tecido no rock – e talvez exatamente por causa disso –, me sinto aberta e muito curiosa para apreender outras estéticas e outros sons.
E foi essa curiosidade que me levou ao Pepsi on Stage, no dia 16 de julho, onde aconteceria o show da Luísa Sonza. Ingressos esgotados, todo mundo comentando, expectativa grande para ver a braba. E eu também queria ver quem é essa guria que saiu ali de Tuparendi e hoje está no topo do Spotify Brasil e de outras plataformas. Confesso que eu sou bem ruim com charts. A maioria eu nunca vi nem consumi e só ouço falar porque trabalho num laboratório de pesquisa em cultura pop. Mas me interessei pela Luísa – embora eu nunca tivesse ouvido uma música por vontade própria ou sequer assistido a um clipe [sim, eu vivo numa bolha] – porque me falaram que ela tinha a melhor performance pop do país. E se tem uma coisa que eu gosto, essa coisa é performance ao vivo.
Eu não me importo de ir ao show de uma artista que eu não conheço: eu me importo é com o impacto que ela causa em mim enquanto está no palco. Já fui a muitos shows de artistas que nunca ouvi (e nem comecei a ouvir depois), mas fui completamente afetada no espaço-tempo do show. Já comentei em algum texto aqui no blog que eu gosto pra dentro: quem me vê de braços cruzados e completamente sisuda nem imagina a emoção que eu estou sentindo. Mas o show da Luísa Sonza, em especial, não era o ambiente onde alguém deveria estar sisuda, atenta, olhando de um lado para o outro (eu amo observar as pessoas) e absolutamente parada.
Ao comentar essa situação com meu amigo e pesquisador de música pop Thiago Soares, ele disse que a guria me confundir com segurança é claramente a interpretação de um corpo de mulher estático em meio à profusão de rebolados. Por mais que eu seja uma mulher branca e cis, meu corpo, daquela forma, naquele espaço, era lido com muita estranheza.


Isso vai ao encontro das discussões sobre os valores estéticos ligados aos gêneros musicais, e de como os gêneros musicais (acho que também já comentei isso em algum outro texto aqui no blog) tipificam performances. E a performance, em um show, é de todos – não somente do/a artista ou da banda. Minha performance, naquele momento, não era familiar àquele gênero musical. Mesmo com toda a estranheza que minha performance poderia causar, eu me sentia muito confortável naquele ambiente em que Luísa comandava com facilidade uma plateia perdidamente apaixonada. Comandava com coreografias, com frases de empoderamento, numa constante troca com os fãs, que a ovacionavam em absolutamente qualquer brecha. Ponto alto, pra mim, foi curiosamente o momento mais silencioso, em que, sentada, somente acompanhada por um violão, cantou “O Conto dos Dois Mundos (Hipocrisia)”, dedicada ao seu pai, que estava na plateia.
Transitando entre Britney Spears e Billie Eilish, entre a erotização, a introspecção e a raiva, Luísa cumpre o papel de diva pop à qual foi destinada. Estrutura impecável, um palco vivo, ativo, dançarinas e instrumentistas da melhor qualidade (com destaque à maravilhosa baterista Rayani Martins).
Como estou longe demais das capitais e do universo do pop, deixo para meus amigos especialistas uma análise mais profícua sobre Luísa e esse emaranhado de cenários em que ela habita.
Por aqui, entendo o show da Luísa Sonza como uma interrupção no meu cotidiano, tal qual Gumbrecht alertou: há algo que permaneceu para além do momento exato da experiência vivida. Volto para o rock com um olhar alterado pelo pop, com diferentes vislumbres sobre estética, disputas, gênero e política.
Nos vemos no próximo show.
na proxima tem que ir com glitter na cara hahaaha
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