Vinte e cinco anos atrás, minha irmã apareceu com o Memórias, Crônicas e Declarações de Amor, da Marisa Monte, em casa: era uma época em que nos sentávamos no sofá da sala “da frente” – a sala do som, que tinha um sofá branco, um abajur no canto e uma mesa de centro, onde recebíamos visitas, amigos e fazíamos as festinhas de aniversário – para exclusivamente ouvir um CD (coisa que eu ainda faço, diga-se de passagem). Até hoje, sei de cabo a rabo todas as faixas, na íntegra e na ordem, desse disco da Marisa Monte. O tempo passou, muitos outros artistas entraram na minha vida, mas esse álbum ficou entranhado na minha memória como algo que marcou muito aquela época.
Quando eu soube que a turnê PHONICA, onde Marisa comemora seus quase 40 anos de carreira, passaria por Porto Alegre (na capital, ela teve realização da T4F, promoção da 102 FM, e a Maia Entretenimento como parceira local), marquei na agenda como algo imperdível – e, de fato, foi.
No último sábado, 6 de dezembro, o Parque Harmonia recebeu 15 mil pessoas para prestigiar o PHONICA – Marisa Monte & Orquestra Ao Vivo que, antecipo, não é só um concerto: é uma espécie de rito sonoro, um mergulho coletivo no lugar onde a memória afetiva encontra uma nova pele. Ao lado de 55 músicos, instrumentistas e musicistas, Marisa surge inteira, precisa e meticulosa até no silêncio. No palco, a orquestra, regida pelo maestro André Bachur, não acompanha: ela dialoga. E é nesse diálogo que PHONICA encontra sua força original – tudo cabe, tudo se expande; os arranjos soam como um abraço e, música após música, vai ficando muito claro: a artista não está apenas revisitando seu repertório de quase quatro décadas: ela está reconstruindo-o, camada por camada, numa costura muito bonita e delicada, diante de todos nós.
E talvez seja por isso que, ao final, a sensação não seja de retorno ao passado, mas de deslocamento suave para um lugar onde o tempo se dobra – onde “tudo que se quer, tudo que se precisa” encontra espaço para respirar. Saí do show bastante reflexiva, com um sentimento morno no peito, pensando o impacto e a permanência de letras, arranjos e memórias na nossa vida. Marisa, naquele palco imenso, ao apresentar “Sua Onda” – parceria mais recente com Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown –, disse que queria trazer “algo fresco”, não apenas canções antigas – para mostrar que sempre está mirando no futuro. E talvez essa seja a sacada de uma turnê comemorativa: revisitar a própria história com respeito, ternura e precisão, mas também pronta para (se) reinventar (no) o futuro.
A artista encerrou o ano do PHONICA em Porto Alegre, para um público que a ovacionou do começo ao fim. E, enquanto celebrava sua história com tanta beleza, ficou claro que olhar para o passado pode ser também um modo de abrir portas para o que há por vir. Que 2026 venha repleto de melodias que acolham e futuros que a gente tenha sangue no olho para inventar. Feliz ano novo! 🙂

