Na última segunda-feira, dia 8 de setembro, perdemos Angela Ro Ro. Fiquei tão, tão, tão triste, como se fosse uma superfã da artista, o que, de fato, nunca fui – embora reconheça a importância absoluta da sua figura na música popular brasileira. Desde segunda-feira, me pego refletindo, remoendo, e escrevendo mentalmente este texto. Decidi, então, colocá-lo no papel (ou, nesse caso, no word), e trazê-lo para o blog – coisa que nunca mais fiz; nunca mais escrevi por escrever, já que o meu trabalho tem ocupado todas as linhas que me são possíveis escrever em um dia. Escrever por escrever me faz muita falta, e talvez este texto seja também uma lembrança (pra mim) sobre isso.
Vou pular a parte extremamente desrespeitosa com que tratamos nossos artistas ao envelhecer e a situação descabida em que Angela se encontrava e ir direto ao (meu) assunto: nesses dois dias em que passei cantando fixamente a letra de “Compasso”, me peguei pensando que a morte de Angela Ro Ro marca não apenas a despedida de uma artista única, mas o silenciamento de uma das vozes que ousaram existir fora das normas, onde a vida e a arte se confundem em gestos de liberdade e desobediência. Angela nunca quis caber – nem nas expectativas da indústria fonográfica, nem nos moldes da sociedade que cobrava docilidade das mulheres. Era avessa às convenções, debochada, louca no sentido mais libertário da palavra: aquele que recusa a lógica da domesticação.
Sua voz rouca, por vezes ferida, era também o registro cru de uma existência vivida sem filtro, que jamais caberia nas performances digitais de hoje. Me peguei traçando um paralelo, também, com outras artistas seminais da nossa música, como Elis Regina, que encarnou intensidade e contestação em uma época que exigia silêncio; Rita Lee, que debochou do rock e do machismo com a mesma energia; Cássia Eller – minha primeira referência de feminino e feminilidade –, que fez da androginia um manifesto e do palco um espaço de liberdade – Angela deixa um legado de que a música é, também, lugar de risco, desajuste e coragem.
Mais do que a singularidade de seus timbres, essas artistas partilharam algo muito maior: a insubmissão. Foram vozes dissonantes em um país que tantas vezes premia a obediência, a suavidade e o consenso. Ao escutá-las, somos lembradas de que a arte não deve apenas embalar, mas também incomodar, desafiar, abrir fissuras.
Aqui, com uma fissura aberta e sangrando, penso que, com a partida de Angela, nos resta a urgência de preservar esse legado de vozes que não temiam – e não temem – o ridículo, a fragilidade, o escândalo. Porque se a música se reduz apenas às normas do mercado e à pasteurização das tendências, ela perde justamente aquilo que a faz sobreviver: a coragem de ser incômoda, de ser diferente, de ser rouca quando todos exigem clareza.
Angela Ro Ro foi isso: uma gargalhada nervosa diante do mundo, um piano bêbado na madrugada, uma poesia malcriada que se recusava a calar. Perdemos sua presença, mas precisamos manter vivo o espaço para que outras vozes, igualmente marginais e libertárias, possam nascer.

