Archive for the ‘Documentários’ Category

Na noite da última quinta-feira, 25 de fevereiro, Martin Mendonça fez uma ocupação no canal da Pitty na Twitch. O guitarrista contou histórias, tocou e comentou as faixas do álbum Matriz. Ao final, sugeriu que quem tivesse curtido o papo, ouvisse novamente o álbum e prestasse atenção em tudo que ele havia contado. E foi o que eu fiz. Na verdade, mais do que isso: voltei ao Matriz – Arquivos Completos, DVD duplo que registra o mais recente álbum da cantora, com o show que rolou da Concha Acústica, em Salvador, com direção de Daniel Ferro, o filme MATRIZ.doc, dirigido por Otavio Sousa, além de extras, making of, Videotrackz e videoclipes.

Martin reforçou o que Pitty vem falando desde que lançou o álbum: Matriz é um divisor de águas. É um disco que utiliza diferentes referências musicais, que foi gravado em diferentes estúdios, em diferentes estados, com diferentes músicos, e tudo isso converge para que ele seja, em suma, um disco de rock, pois essa é a essência da artista.

Gosto muito de como Pitty trata com leveza e segurança a questão sempre levantada sobre se “é rock ou não é mais rock”, abandonando a normatividade e a estagnação das definições de gêneros musicais. Ainda mais quando o Matriz – em especial o doc – deixa evidente a relação entre música e sociedade, mostrando que há um diálogo inerente entre formações musicais e formações identitárias. A música é fruto de um contexto cultural, social, econômico, afetivo e político, e é a partir daí que a gente consegue observar como a música pode ser didática para pensarmos as identidades, abrindo novas perspectivas para enxergarmos as características que extrapolam as barreiras da sonoridade. A música é um elo, como o próprio Russo Passapusso comenta; um elo que conecta o rock, o reggae, o samba de recôncavo, a raiz, o regional; oportuniza a discussão sobre posições, privilégios, comunidades: um elo que tem a finalidade de falar, de se expressar.

O caminho que Pitty percorre entre Lazzo Matumbi (seus elementos musicais e culturais), Larissa Luz e BaianaSystem (a nova cena e os novos ritmos), Peu Sousa (o afeto, fazendo muito mais do que uma homenagem) e Teago Oliveira (que vem da linha evolutiva de grandes compositores como Fábio Cascadura e Ronei Jorge) é de alguém que busca se (re)conhecer; e é na memória que encontra subsídio para entender quem ela é, como ela é, de onde ela é e por que ela é.

Vale apontar algo que está bastante claro em MATRIZ.doc: memória é diferente de nostalgia. Pitty não vive em um tempo de recordação total, não apresenta um tom saudosista ao olhar para o passado. Muito pelo contrário: com o apoio da memória, busca uma constituição identitária que destaca os vínculos entre o passado, o presente e o futuro, algo que é comentado pela artista em vários trechos do filme. A montagem do filme, aliás, é excelente ao reconstruir toda essa história, pois é ali, através das interações que ocorrem nas ruas, nos bares, com outras pessoas e com outros sons, que conseguimos entender como o Matriz se tornou o Matriz.

Matriz – Arquivos Completos (divulgação)

Em relação ao show, me perco dentro das minhas próprias emoções e não sei muito bem o que escrever. Nada substitui a experiência de um show ao vivo, mas, por ora, a única coisa que podemos fazer é revisitar essas experiências através de shows gravados. Um show também transmite memórias e manifesta o entendimento de identidade de um grupo. As performances, como salientam pesquisadoras como Diana Taylor, transmitem conhecimento. A partir do momento em que me coloco como ator social neste grupo, trago toda a minha carga pessoal, que se mistura com minhas referências de escrita; assim, a performance de Pitty funciona também como um modo de tentar conhecê-la profundamente – ela nunca foi somente um objeto de análise neste blog; é muito mais intenso que isso. Tudo que escrevo sobre ela tem um pouco (muito?) do eu sou, do que eu sinto e do que eu faço.

Em função disso, o Matriz não confunde somente os tempos da artista, mas também os meus e os de muitos/as fãs que a acompanham desde o início de sua carreira. Ele nos leva para um lugar que faz com que tenhamos vontade de investigar e compreender aquilo que habita em todos/as nós. Enquanto artista, Pitty sempre questionou mais do que respondeu. Usa a dúvida como benefício; pesquisa antes de afirmar. Faz o movimento de entrada e de saída de campo – o mesmo que a gente faz quando precisa se afastar de um objeto para renovar um olhar impregnado de nós mesmos. O Matriz – Arquivos Completos mexe muito comigo. Acho que por isso eu me enrolei tanto para escrever sobre ele. Aparentemente, eu precisava de um empurrãozinho do Martin 🙂

Agosto veio com tudo para a cantora Pitty: um mês inteiro celebrando os 15 anos do Anacrônico, seu segundo disco, lançado em 21 de agosto de 2005. Como escrevi sobre os 15 anos do Admirável Chip Novo, achei que seria um interessante exercício de memória escrever também sobre os 15 anos do Anacrônico.

Três dias antes do lançamento, no dia 18, eu completava 17 anos; então um disco novo da minha cantora favorita foi um bom presente de aniversário. Em abril daquele ano, vi um show em Santa Maria, na região central do Rio Grande do Sul, onde Pitty tocou “Brinquedo Torto” e talvez “A Saideira” e/ou “Anacrônico” (“Brinquedo Torto” é a única que tenho certeza, pois já sabia de cor e porque segue sendo uma das minhas preferidas do disco); uma versão muito mal gravada de algum show circulava na internet, provavelmente na comunidade Viciados em MP3 da Pitty, no Orkut, onde tinha de tudo – menos os discos oficiais, regra primordial da Comunidade. Lá eu também devo ter feito o download de “Déjà Vu”, “Claritin D” (que virou “Aahhh…!”) e “Seu Mestre Mandou”, todos áudios extraídos de algum show, e “O Muro”, só para citar algumas.

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Pôster do disco, que veio em algum caderno (Acervo pessoal)

Depois, vi o show de lançamento da turnê em Chapecó, no oeste de Santa Catarina, porque arrumei uma carona até a cidade, o que acabou me fazendo abrir mão da viagem para o show em Porto Alegre. Foi a pior troca que eu poderia fazer, pois quase não tenho lembranças deste show – o que me leva a crer que muito das nossas memórias se associam aos locais onde estas ocorrem; no caso, pra mim, o bar Opinião, palco da maioria dos shows que vi da Pitty. Por exemplo, lembro perfeitamente de outro show, ainda da turnê Anacrônico, que vi no Opinião, em 2006. Essas viagens me renderam um prêmio: na época, a Na Moral, antiga produtora que cuidava da carreira da cantora, fez uma promoção chamada “Mochileiros Pitty”, que premiava pessoas com as melhores histórias de viagens para shows. Ganhei uma mochila vermelha do Anacrônico, que usei até desmanchar, literalmente. Levei várias vezes em um sapateiro para consertar, até que ela se despediu deste plano, sem registros fotográficos, mas com muitas histórias que ficam para outro momento – inclusive a que eu contei para ganhar a mochila.

2005 foi um ano movimentado na banda: a saída de Peu Sousa e a entrada de Martin Mendonça, vindo da excelente Cascadura, deu uma encorpada nas guitarras do segundo disco. No primeiro show que eu vi com o Martin (aquele em Santa Maria, ainda do ACN, mas já com spoilers do Anacrônico), ele tocava praticamente o show inteiro com uma Fender Stratocaster amarela/branca-encardida, muito diferente das performances que eu tinha visto com Peu, onde ele trocava de guitarra várias vezes ao longo do show. A guitarra amarela/branca-encardida de Martin, de onde saíram muitos riffs que até hoje ecoam em nossas cabeças (e o solo de “No Escuro”, que ele gravou bêbado após uma desvairada epopeia em um brinquedo que te derruba em um colchão), aparece no Sessões Anacrônicas, que documenta as gravações do disco e vai ser disponibilizado em breve. Se não me engano (me corrijam se eu estiver errada), o lançamento do Sessões Anacrônicas foi no formato DualDisc, onde de um lado tínhamos o áudio do disco e do outro lado o documentário, o clipe da faixa-título e uma galeria de fotos. Ganhei o DualDisc de presente de formatura do Ensino Médio, onde entrei justamente com “Anacrônico”, que naquele ano continha o riff de introdução MAIS AFUDÊ da história das entradas em solenidades de formaturas do Ensino Médio.

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Recortes e revistas sobre a divulgação do disco (Acervo pessoal)

Ainda contextualizando esse período, em 2005 Pitty foi indicada a inúmeros prêmios, vencendo alguns dos mais importantes, especialmente no Prêmio Multishow de Música Brasileira e no VMB. O Pitty-List começava a se expandir, e consequentemente outras listas e fã-clubes foram surgindo e organizando a galera para os mutirões de votação. Desses prêmios de 2005 como, por exemplo, melhor cantora e vocalista da banda dos sonhos, talvez o de Ídolo MTV tenha sido o mais marcante. Lembro como se fosse hoje do discurso e do impacto no público que estava se formando (para acompanhar a carreira de um artista e como indivíduo, mesmo). Se trazido para os dias de hoje, o discurso ajuda a refletir sobre a cultura do cancelamento de artistas e a quebra as projeções nos relacionamentos entre fã e ídolo. Não vou me estender nesta observação porque tenho em mente outro texto sobre a arte ser superior ao artista e o cancelamento (principalmente retroativo) na era digital, mas vejam o discurso e pensem quais discussões ele pode incitar e como podemos reformular a visão que temos sobre nossos ídolos (e pra essas discussões, me chamem!).

EM 2020, BABY STREAMER E FEITICEIRA

Uma pandemia afetou o mundo inteiro e trouxe à tona a dependência que temos da cultura. Obras literárias, musicais, televisivas: recorremos a todo tipo de arte para atravessar este período de maneira mais confortável – muitas vezes, fugindo momentaneamente da realidade. Junto com isso, nos deparamos com um sistema frágil – falando aqui somente da área do entretenimento – e que não oferece auxílio aos artistas (e suas equipes) que não estão podendo exercer a atividade de onde tiravam seu principal sustento: o show ao vivo. A despeito dessa problemática, que envolve assunto demais para tratar neste post, as lives explodem como uma alternativa à aglomeração presencial; num primeiro momento, fujo de todas, atordoada com tanta informação e já exausta do mundo-tela que viria pela frente. Depois, me amanso e aceito que é preciso trabalhar com o que se tem, além de aos poucos ir escolhendo por quais canais e com quem, de fato, é proveitoso interagir.

Um desses canais foi a Twitch, plataforma de streaming da Amazon, para onde vários músicos migraram durante a pandemia. Antes habitado especialmente por gamers, a Twich vem ganhando artistas e público que até então estavam no YouTube e no Instagram, principalmente.

A Pitty foi uma dessas, que está lá há pouco mais de três meses, e já contabiliza quase 34 mil seguidores. No texto sobre os 15 anos do ACN, comentei sobre sua forma de contato com o público, passando por todas as possibilidades de interação (lista de discussão, flogs etc), fortalecendo a rede criada em 2003 e estimulando o pensamento autônomo de sua audiência, focando no que mais importa: a música. Seu canal na Twitch vem para dar mais um passo nessa direção: mais do que lives musicais, a cantora apresenta uma programação semanal onde debate diversos assuntos relacionados especialmente à arte, mas também joga conversa fora, num esquema audiovisual do Boteco que havia em seu site.

Falando em boteco, deixo aqui um post de exatos 15 anos atrás, onde Pitty fala sobre o trabalho de divulgação do álbum. Massa reler isso, não? E tem história nessa história…

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Print tosco do Boteco em 12 de agosto de 2005


AGOSTO(SO)

E a programação especial de comemoração do Anacrônico começa amanhã, em um papo com a fodástica cantora e compositora Josyara (procure conhecer!). Por aqui, estou bastante empolgada para acompanhar tudo o que vai rolar. No dia 18, ao invés de um Zoom Party, aparentemente vou ter que fazer uma Twitch Party, já que uma conversa sobre o Sessões Anacrônicas é imperdível. Abaixo, a programação completa:

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Programação de agosto no canal da Pitty na Twitch

Bom, por hoje é isso. Feliz aniversário, Anacrônico! ❤
Nos vemos novamente no aniversário de 15 anos do {Des}Concerto ao Vivo 😉

PS: Estou sem meu HD externo, por isso não postei fotos dos shows que comentei. Também não estou com meu DualDisc, por isso não tenho certeza do conteúdo exato que tem nele. Esses recortes, pôsteres e crachá (que ganhei de alguém da produção no show em Santa Maria) são coisas que achei na casa dos meus pais.